Vista aérea da Floresta Nacional do Tapajós
Floresta Nacional do Tapajós, Floresta Nacional do Tapajós, em Belterra-PA. © Erik Lopes/TNC

Artigos e Estudos

Florestas em pauta: uma década de avanços e de ameaças ao Código Florestal

Por Lícia Azevedo - Especialista em Políticas de Clima da TNC Brasil

As florestas são ecossistemas terrestres essenciais para combater problemas ambientais como a degradação dos solos, queimadas, desmatamentos, contaminação dos recursos hídricos, assoreamentos, enchentes, perda da biodiversidade, escassez de recursos naturais, dentre outros.

Contando com uma das legislações ambientais mais avançadas do mundo, o trabalho da TNC no Brasil busca um olhar mais atento para fortalecer políticas públicas que visam proteger o meio ambiente e garantir a conservação e proteção desse ecossistema vital para o bem-estar social.

Prestes a completar 10 anos de sua promulgação, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012), também conhecida como o “novo Código Florestal” tem sido essencial para conservar as florestas e as demais formas de vegetação nativa. É um dos principais instrumentos legais vigentes para a proteção do patrimônio florestal brasileiro, representando importante marco para o monitoramento, o planejamento e o combate ao desmatamento em imóveis rurais no país.

A lei do novo Código Florestal, manteve os 2 princípios de proteção ambiental em terras privadas da lei anterior (Lei nº. 4.771/1965) – que são as Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL) e também trouxe novas ferramentas como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA). Criou ainda novos conceitos, como o de área rural consolidada, e instituiu regras distintas (e mais flexíveis) para quem descumpriu a lei, ou seja, derrubou áreas de floresta nativa, antes de 22 de julho de 2008. 

Neste contexto, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um dos principais instrumentos para a implementação dessa lei. O seu cumprimento efetivo é fundamental para integrar informações geográficas sobre uso e ocupação do solo do país, visto ser um registro eletrônico obrigatório para todas as propriedades rurais brasileiras. E, apesar do CAR ser um registro público eletrônico de âmbito nacional, a sua implementação se dá na esfera estadual.

Uma vez que todos os estados brasileiros já avançaram na primeira etapa do CAR que consiste na inscrição do imóvel rural junto aos órgãos ambientais estaduais de meio ambiente, a base de dados, fruto dessa etapa, oferece para a sociedade uma visão da malha fundiária brasileira, representando um dos grandes avanços da Lei.

Outra questão digna de destaque relacionada aos dados inscritos no CAR, foi a implementação da análise dinamizada pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), em 2021. Mesmo que ainda em poucos estados, essa novidade busca sanar um dos principais gargalos para a implementação do “novo Código Florestal": a análise e validação dos cadastros inscritos.

Mas apesar de todos os esforços da maioria dos estados brasileiros para avançar nas etapas de análise e validação dos dados do CAR, um dos principais entraves que impede que a lei seja posta em prática é a adesão aos Programas de Regularização Ambiental (PRA), a segunda etapa do CAR, que serve para realizar a recuperação, recomposição, regeneração ou compensação das áreas de APP e/ou RL com passivos ambientais nos imóveis rurais.

Ocorre que, na maioria dos estados brasileiros a implementação do PRA ainda não aconteceu. Dos 27 estados, apenas 15 editaram a regulamentação do PRA e somente em seis estados o programa está em operação, sendo eles: Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará. 

Outro fator que agrava os retrocessos de implantação da lei é a falta de interesse dos produtores rurais na adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) já que em 31 de dezembro de 2020 esgotou o prazo para que o proprietário, possuidor rural ou responsável direto pelo imóvel rural inscreva seu imóvel rural no CAR, sem perder o direito de aderir ao PRA.

Isto pode ocorrer principalmente devido à falta clareza na definição das regras que os estados irão considerar no PRA. 

Outro desafio para que os diversos setores da sociedade e os produtores rurais avancem na implementação do Código são os diversos projetos de lei (PLs) que têm sido apresentados para alterar seus dispositivos.

Estudo realizado por pesquisadoresdo CPI/ PUC-Rio identificou 56 projetos de lei (PLs) em tramitação no Congresso Nacional no período entre 2013 a 2020 que propõe eventuais modificações na lei 12.651/2012, sendo 7 deles gerando impactos negativos na implementação. Em 2021, foram protocolados outros 7 PLs que estão em tramitação na Câmara dos Deputados, aumentando ainda mais o risco à proteção da vegetação nativa dentro de áreas privadas.

PL 6330, de 11 de setembro de 2013, que trata das modalidades de recomposição de áreas consolidadas em APP

PL 4508, de 23 de fevereiro de 2016, que permite o pastoreio em áreas de Reserva Legal

PL 551, de 7 de fevereiro de 2019, que trata da possibilidade de redução do percentual de Reserva Legal nos estados da Amazônia Legal

PL 3511, de 12 de junho de 2019, trata da aplicação do percentual de Reserva Legal de acordo com a lei em vigor

PL 1426, de 1 de abril de 2020, que propõe regras especiais de redução do percentual de Reserva Legal apenas para os estados de Roraima e Amapá                     

PL 2374, de 4 de maio de 2020, altera o marco temporal de regularização ambiental de áreas consolidadas em Reserva Legal

PL 2429, de 6 de maio de 2020, que trata da regularização de imóvel ou posse rural com áreas suprimidas irregularmente após 22 de julho de 2008                      

PL 36, de 3 de fevereiro de 2021, que propõe aumentar o prazo que os pequenos agricultores possuem para se inscrever no CAR e fazerem jus aos benefícios do PRA

PL 3430, de 11 de junho de2019, que disciplina a intervenção e implantação de

instalações necessárias à recuperação e proteção de nascentes

É evidente que as constantes alterações da legislação ambiental, principalmente em relação à Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que dá as diretrizes na implementação do Código, trazem insegurança jurídica e retardam o desenvolvimento de ações para dar escala na agenda de restauração no país.

Além disso, não podemos esquecer que o Código Florestal é um indutor de soluções baseadas na natureza, pois promove a conservação e restauração florestal tendo um papel essencial para o controle das mudanças climáticas e na garantia da segurança hídrica.

“Agenda climática no Congresso”

Frente à COP26, que ocorreu em novembro desse ano em Glasgow (Escócia), houve também movimentações no congresso relacionadas à Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC, Lei 12.187/2009), que estabelecia metas nacionais de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2020. O Projeto de Lei (PL) 1539/2021 atualiza essas metas para redução de 43% até 2025 e 50% até 2030, com base nas emissões de 2005 do Brasil. Também foi resgatado o PL 6539/2019, em que o Brasil assume a meta de neutralizar suas emissões em 100% até 2050. Ambos foram aprovados no Senado em novembro desse ano e, atualmente, se encontram na Câmara dos Deputados. Em paralelo, no Executivo, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) submeteu à consulta pública a minuta de PL para criação de uma nova Lei para a PNMC, processo do qual a TNC participou e sugeriu que bastaria atualizar a lei já existente e não criar uma nova.

Outro instrumento da agenda climática que ganhou ainda mais força devido às negociações da COP26 foi o do mercado de carbono, regrado pelo Artigo 6 do Acordo de Paris. O PL528/2021, proposto em fevereiro desse ano, indicava a criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e repercutiu por meio de diversas audiências públicas na Câmara. Pouco antes da COP26, esse PL foi incorporado a outros dois, o que dificultou sua tramitação. Atualmente, ainda na Câmara, circula um texto mais alinhado com os resultados do Parceria para Prontidão de Mercado (PMR, na sigla em inglês), iniciativa do Banco Mundial, coordenada pelo Ministério da Economia. Apesar de ser um avanço positivo, o agora PL 2148/2015 propõe uma governança fortemente centralizada, que pode impactar negativamente a estratégia nacional de mercado de carbono.

Nesse contexto, olhando para o futuro e para as perspectivas de implementação dessas políticas públicas voltadas para soluções baseadas na natureza, a TNC em parceria com importantes coletivos sociais, como a Coalizão Clima, Floresta, Agricultura e o Observatório do Código Florestal, vem fortalecendo a articulação e incidência política, criando condições que buscam viabilizar o diálogo para aprimorar e potencializar  avanços na Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que em 2022 completará 10 anos de desafios em sua implementação.