Indígena Xikrin com GPS Bepnhibety Xikrin marcando pontos de GPS para o etnomapeamento da Terra Indígena Trincheira-Bacajá, no Pará. © Kevin Arnold

Artigos e Estudos

Protetores “Hi-Tech” da Amazônia

Indígenas e Pecuaristas podem ser parceiros na conservação da maior biodiversidade do mundo.

Por Leopoldo Vanegas

Uma das Sete Maravilhas do Mundo. A maior floresta tropical da Terra. Seis milhões de  quilômetros quadrados de biodiversidade e exuberância espalhados em nove países que se estendem pela majestosa bacia do rio Amazonas, o mais caudaloso do planeta. Com vocês: A Amazônia.

Porém existe uma realidade cruel, a floresta tem sido arrasada indiscriminadamente e uma ação rápida é imprescindível. A expansão da fronteira agrícola na última década tem sido a causa da metade do desmatamento das florestas tropicais no mundo. No ano de 2050, o mundo terá uma população de nove bilhões de pessoas que precisarão ser alimentadas. Todos os olhares se voltam para essa região e apenas protegê-la já não é suficiente. Temos que mudar nossas práticas tradicionais de produção. E a Amazônia brasileira é um caso eloquente.



No passado recente, a Amazônia era uma terra de ninguém. Os colonos usavam as lâminas de seus facões e o fogo para abrir seu caminho pela floresta, porém sem pensar em qualquer tipo de planejamento. Essas terras eram destinadas à criação de gado, e em geral nem sequer título de propriedade de terra possuíam. Não havia regras, e, como resultado, entre 2001 e 2012 três quartos de sua bacia foram desmatadas a níveis críticos: 27.700 km quadrados foram desmatados. A pergunta óbvia é: como essa tendência poderá ser revertida? Será que leis rígidas por parte dos órgãos ambientais e governos locais seriam suficientes? A verdade não era tão simples. Como mensurar exatamente o tamanho da área desmatada indevidamente? Naquele momento era praticamente impossível, mas atualmente o quadro é outro. Hoje, temos tecnologias adequadas para esses fins. A TNC é uma organização ambiental preocupada em encontrar o equilíbrio perfeito entre as fronteiras alimentícias e agrícolas, sendo seu objetivo encontrar meios de nos alimentarmos e vivermos da terra, e ao mesmo tempo preservarmos as florestas. Baseados nessa premissa, e utilizando meios científicos de ponta e inovação, a TNC concebeu e implementou ferramentas tecnológicas fundamentais que facilitam o planejamento estratégico para a conservação do Sistema Amazônico a uma escala sem precedentes.


São Félix do Xingu, um município no estado do Pará, no norte do Brasil, estava na lista negra de desmatamento por causa de suas más práticas ambientais. Quando se tornou claro para os pecuaristas e pequenos agricultores da cidade que eles seriam obrigados a obedecer ao código florestal federal que requeria que 50 a 80% de suas terras fossem protegidas ou teriam que comprar mais propriedades como compensar o desflorestamento, ficaram furiosos. Foi nesse momento que a TNC instalou o CAR, um Cadastro Ambiental Rural computadorizado para mapear e registrar suas terras. Dessa forma, o que até então era impossível se tornou realidade – determinar com certeza quem eram os proprietários das terras e, assim, atribuir responsabilidades a cada um deles de forma organizada. Paralelamente, a TNC os ajudou a reflorestar com o plantio de espécies nativas como o cacau, que agora tornou-se uma nova forma de renda para os agricultores locais, melhorando a qualidade de vida da população.



Assim como os pecuaristas, os povos indígenas da Amazônia também tiveram que apelar para os meios tecnológicos para delimitar suas terras sagradas que cobrem 22% da floresta Amazônica. Esse território tem mais de 300 milhões de acres transbordando em biodiversidade, considerados uma área sem fronteiras, onde a água, a terra, a vida selvagem e as plantas coexistem com tradições e lendas, mitos e crenças religiosas. Seus deuses e espíritos vivem nas águas e em sua vegetação. Eles percebem que o equilíbrio com a floresta Amazônica é uma condição essencial para a vida, uma visão diferente daqueles que querem dominá-la e mudá-la. Eles percebem esse equilíbrio não como um fator externo, mas como algo intimamente ligado à sua sobrevivência social e biológica. Os povos indígenas tais como os Xikrins, que fazem parte do grupo étnico Mebengokré, enfrentam desafios técnicos semelhantes para proteger seus territórios do desmatamento e desenvolvimento ocidental. Seu principal problema é que não têm poder para negociar o desenvolvimento de infraestrutura mais sustentável e por isso a TNC trabalha diretamente com eles oferecendo tanto apoio técnico e planejamento para novas formas de gestão, como estruturas de governança ambiental e meios de subsistência sustentáveis.

Nos últimos anos, a TNC se associou a agências federais e comunidades indígenas para ajudá-los a entender quais são os limites de suas terras, um primeiro passo crucial para sua proteção. Assim, em 2014, por meio do “Projeto de Etnografia” (Ethnomaping Project), 4 milhões de acres de terras sagradas da comunidade Xikrin foram mapeadas para protegê-los contra o desmatamento e a invasão. A TNC forneceu aos Xikrins 9 dispositivos de  GPS, e um número igual de aldeias, e os treinou para demarcar seus rios e campos de caça e documentar a fauna e flora da região, combinando seus conhecimentos ancestrais com o mesmo software de imagem de satélite desenvolvido para os fazendeiros.  Além disso, a TNC implementou um conjunto de programas, juntamente com a IBM, para monitorar o desmatamento comparando terras agrícolas com imagens históricas tiradas do espaço. Dessa forma, os Xikrins podem determinar com precisão os seus limites de terras e corroborá-los com números e dados confiáveis e verificados. De acordo com as leis brasileiras, e dependendo da localização, pelo menos 80% de uma propriedade deve ser deixada intacta. Desde o momento que entram no sistema, os operadores que desmatarem mais do que o permitido devem registrar quais áreas serão reservadas para o reflorestamento.

Todo esse esforço por parte da TNC e da iniciativa etnográfica dessa comunidade ajudaram a identificar e preservar as áreas da floresta Amazônica, que são especialmente importantes para eles. No início dos anos 70, quando foi quase dizimada por uma epidemia de sarampo os Xikrins se recuperaram lentamente. Atualmente, enfrentam uma nova ameaça: a barragem de Belo Monte, uma usina hidrelétrica no rio Xingu no estado do Pará, ainda em construção, com um custo projetado de US$13 a US$17 bilhões. Espera-se que seja a terceira maior hidrelétrica do mundo, fornecendo eletricidade para 22 milhões de lares. O problema é que na mesma proporção desviará 80% do fluxo do rio.

Os Xikrins já estão presenciando os efeitos de um projeto tão gigantesco, diz Tedjore Xikrin, um ancião da aldeia de Rap-ko: “O rio está secando. Estão acabando com tudo.” A principal preocupação de Tedjore, que tem representado o seu povo perante o governo desde os anos 80, é que seus netos cresçam sem saber o que é uma floresta. Essa é uma das 32 áreas selecionadas pelo governo brasileiro para um projeto piloto de gestão ambiental em terras indígenas, diz Eduardo Barnes, coordenador do Projeto de Conservação do Xingu. A segunda fase incluiu a preparação de um plano de gestão para definir quais os possíveis usos das diferentes partes do território. A TNC, em parceria com as tribos e agências federais responsáveis por temas ambientais e indígenas, está ajudando comunidades, como os Xikrins, a dar seus primeiros passos em direção a um longo caminho para manter intactas suas terras tradicionais. Para que os povos indígenas mantenham sua cultura e seu território, o mais importante é a sua unidade e organização, enfatiza Alexandra de Freitas, ex-gerente de campo no Xingu para a TNC. "Eles precisam estar unidos para iniciarem essa conversa com o mundo".  É um processo de longo prazo: "Quando plantamos uma árvore, precisamos ter muita paciência e tempo para vê-la crescer. Pois bem, a semente já foi plantada.”



Embora estime-se que seriam necessários até 4.000 anos para regenerar toda a floresta amazônica, essa tendência começa a ser revertida. Em 2010, com a ajuda da TNC, o município de Paragominas no Brasil foi o primeiro a sair da lista negra reduzindo sua taxa de desmatamento e registrando 80% de suas terras, um exemplo de desenvolvimento e proteção ambiental. Quando os pecuaristas se registraram por meio do CAR, seus negócios se tornaram parte da solução, pois agora os compradores de carne podem rastrear a posse do gado e verificar se os vendedores estão operando conforme as leis de desmatamento, contudo a melhor parte é que essas boas práticas de criação de gado agregam valor ao seu produto. Por causa disso, várias empresas atualmente só compram carne bovina que não procedam de áreas desmatadas ilegalmente.
Ser considerada os “pulmões do mundo” não é apenas uma metáfora. A bacia amazônica mantem nada mais nada menos do que a estabilidade climática no âmbito global: a absorção e liberação de dióxido de carbono e oxigênio. O que acontece ali afeta muito mais do que o Brasil, que é o sétimo maior emissor mundial de gases de efeito estufa do planeta. Em 2014, um pouco mais de 30% dessas emissões foram causadas pelo desmatamento. Agora que o país se comprometeu a reduzir o corte indiscriminado de árvores em 80% e as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 36% até 2020, São Félix e Paragominas ganham relevância especial. A Amazônia é um patrimônio vital para o futuro da humanidade e a tecnologia é parte relevante na sua conservação. Essa é uma ferramenta crucial para a tomada de decisões e a participação das populações locais e indígenas para que possam ganhar poder em seus próprios territórios.