Artigos e Estudos

Estamos nos preparando para os desafios climáticos?

Para avançar no combate a crise climática precisamos priorizar equidade, justiça climática e resiliência das comunidades.

Por Samuel Barreto, Líder Sistemas Alimentares e Água da TNC Brasil

Pessoa sentada no chão destruído observando a poluição. © Hosein Davoodi/Concurso de Fotos TNC 2022

Ciclone e chuvas intensas no Sul do país, seca sem precedentes no Norte são os exemplos mais recentes de extremos climáticos vivenciados no Brasil. As águas em excesso causaram estragos em boa parte do Rio Grande Sul e Santa Catarina. A força do ciclone deixou um rastro de destruição, milhares de desabrigados e desalojados, assim como dezenas de mortos e desaparecidos. No outro extremo, estados nortistas como Amazonas, Acre, Pará e Roraima têm o menor registro de chuvas dos últimos 40 anos segundo o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) causando uma seca severa, que está afetando a vida, a economia e o ecossistema da região. Chegando ao alarmante dado de que o Rio Negro atingiu seu menor nível desde 1902, quando foram iniciadas as medições, e que continua a cair.

Nos dois casos os eventos são frutos das mudanças climáticas influenciadas pelo El Niño – fenômeno natural caracterizado pelo aumento da temperatura da água na faixa equatorial do oceano Pacífico – somadas ao aumento do aquecimento global. Ou, como bem definiu a ministra Marina Silva, as secas no Norte e as chuvas no Sul são fruto do “cruzamento” do El Niño com o aquecimento global”. Mas há também a interação desses impactos com a mudança do uso do solo, que no caso da Amazônia, se refere, majoritariamente, ao desmatamento.

Essas anomias climáticas, infelizmente, já não são eventos isolados ou excepcionais, mas sim ocorrências frequentes e cada vez mais intensas, a exemplo da onda de calor que atingiu o hemisfério norte neste ano e os aumentos de incêndios por todo o planeta, além dos recordes de aumento na temperatura global registrados pelos Centros Nacionais de Previsão Ambiental dos Estados Unidos. Na América do Sul, aumentos constantes de temperatura e redução da umidade do solo também estão mais recorrentes e podem ter um forte impacto nas seguranças hídrica e alimentar. Isso porque, segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, na América do Sul, entre os principais impactos das mudanças climáticas está o aumento do estresse hídrico, ou seja, escassez de água para suprir os seus múltiplos usos, que vão do abastecimento humano às produções agrícolas e industriais, passando pela geração hidroelétrica de energia, navegação e turismo, por exemplo.

Mas, nada disso é novidade. Há anos especialistas, cientistas, pesquisadores e movimentos da sociedade civil organizada vêm alertando para esses fatos. Um exemplo claro é o compromisso assumido por 195 países, durante a Conferência do Clima de Paris (COP21), em 2015, de combater o aquecimento global e minimizar os danos já causados. Foi desta COP do clima que saiu o famoso Acordo de Paris, no qual as nações signatárias, entre elas o Brasil, se comprometeram a desenvolver ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e para se adaptarem aos impactos das mudanças climáticas.

No entanto, oito anos depois, a velocidade de implementação dessas ações não acompanhou o ritmo crescente das mudanças climáticas e especialistas vem alertando que a janela de ação está se fechando. Nas COPs subsequentes à de 2015, o que se viu foram mais debates, mais promessas, mais metas, ao passo em que as ações concretas e efetivas ficaram aquém do esperado quando o assunto é adaptação climática. E, para a Conferência deste ano, a COP28, que será realizada nos Emirados Árabes, ainda não há sinalizações de priorização dessa agenda de adaptação, que ainda não tem nem uma meta global mandatória específica. Inclusive, espera-se que os parâmetros dessas metas bem como previsões de financiamento para adaptação seja um dos resultados da COP28

Por aqui, o Brasil corre atrás do prejuízo e está em fase de atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima. Os eventos no Sul e no Norte do país colocaram uma lupa sobre o Plano Nacional de Adaptação Climática (PNA), criado em 2016 para ser revisado a cada quatro anos, mas que ainda não passou por uma atualização. O PNA é de extrema importância pois busca orientar iniciativas públicas com vistas a diminuir o risco climático e, consequentemente, reduzir a nossa vulnerabilidade enquanto sociedade a eventos extremos, como chuvas em excesso ou secas prolongadas.

As mudanças climáticas continuarão a acontecer durante todo esse século, e será fundamental criar as condições necessárias para reduzir tais riscos. Isso se faz com adaptações permanentes que cada vez mais integrem informações climáticas e socioeconômicas, assim como a pluralidade de conhecimentos. As medidas tradicionais precisarão ser combinadas com outras medidas de adaptação baseada em ecossistemas, colocando no centro do debate pessoas, equidade, justiça climática e resiliência das comunidades.

A revisão do PNA que está em curso é uma excelente oportunidade para os governos federal, estaduais e municipais elaborarem, aprimorarem e implementarem políticas públicas que contribuam com a redução dos riscos e impactos causados pelas mudanças climáticas. Num cenário em que já não se pode confiar tanto nos dados das séries históricas, já que podem não se repetir no futuro, é possível - e urgente – atuarmos de forma preventiva e se preparando da forma que é necessária para esse que talvez seja o nosso maior desafio do século 21: as mudanças climáticas. 

Publicado originalmente em Um Só Planeta
23 de outubro de 2023
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