SISTEMA CANTAREIRA Vista aérea do reservatório Atibainha, parte do Sistema Cantareira, em Nazaré Paulista-SP. © Scott Warren

Artigos e Estudos

O papel dos esforços conjuntos para solucionar a crise hídrica

É cada vez mais necessário o diálogo entre as entidades públicas e privadas para que a natureza e a sociedade prosperem juntas.

Por Ian Thompson - Diretor Executivo TNC Brasil

Os recentes e cada vez mais frequentes episódios de escassez de água nos trazem um questionamento importante sobre ações que devemos promover para diminuir os riscos causados pela instabilidade da segurança hídrica. Em meu último artigo, falei um pouco sobre a crise hídrica atualmente enfrentada pelo país e o que nos levou ao seu agravamento, com reflexões sobre o uso de estruturas convencionais para resolver problemas em um curto prazo.

No artigo de hoje, quero falar sobre importantes soluções que podem promover benefícios para a natureza, para a sociedade e para o desenvolvimento econômico por meio de práticas mais sustentáveis. Como destacou Samuel Barrêto (gerente nacional de água da The Nature Conservancy) em reportagem para o Globo Rural, "A boa notícia é que ainda temos tempo de fazer a reversão para um ciclo virtuoso, onde pessoas e meio ambiente prosperem conjuntamente”, mas se queremos ver esses resultados no futuro, precisamos começar agora.

Em primeiro lugar, devemos olhar para o conceito de segurança hídrica bem-sucedida, que leva em consideração a capacidade de fornecer água com qualidade e quantidade suficientes para atender às demandas do abastecimento humano, agrícolas, industriais, econômicas e energéticas sem prejudicar a natureza, baseadas em um consumo consciente, sustentável e de resiliência climática. 

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Nossas fontes naturais de água estão sob ameaça pelo mau uso de estruturas convencionais de captação, que colocam o suprimento dessa demanda em risco.

Nossas fontes naturais de água, no entanto, estão sob ameaça pelo mau uso de estruturas convencionais de captação, que colocam o suprimento dessa demanda em risco. Além de irem cada vez mais longe em busca de água, a falta de manutenção adequada resulta em vazamentos e redução de qualidade da água fornecida. Por outro lado, encontramos nestas áreas uma excelente oportunidade de resposta por meio de infraestrutura verde, ou seja, Soluções Baseadas na Natureza que, segundo a IUCN, são ações para proteger, gerenciar de forma mais sustentável e restaurar ecossistemas naturais ou modificados, que abordem os desafios sociais de forma eficaz e adaptativa, proporcionando simultaneamente benefícios ao bem-estar humano e à biodiversidade.

As Soluções Baseadas na Natureza atuam combinando ações de infraestrutura cinza e verde, cuidando da água em sua "saída" de origem, ou seja, a partir de nascentes, córregos, rios, mananciais e bacias hidrográficas. Economicamente falando, essas ações podem gerar investimentos mais baratos para os estados, uma vez que, cuidando bem da produção de água em sua fonte, menor será o custo em estações de tratamento e obras para captação de água, protegendo, ainda, a biodiversidade destas áreas. Outro ponto importante é que por ser uma estratégia a longo prazo, sua adoção permite minimizar os riscos de crises emergenciais, afinal, uma crise hídrica exige recursos emergenciais que saem bem mais caros e que são reflexo da inação. 

Área de captação de água na Represa do Jaguari, em Joanópolis-SP, no ano de 2015.
FUGINDO DA ESCASSEZ Área de captação de água na Represa do Jaguari, em Joanópolis-SP, no ano de 2015. © Erik Lopes/TNC

A Coalizão Cidades Pela Água, iniciativa liderada pela The Nature Conservancy (TNC) desde 2015, realiza constantes estudos e levantamentos nas regiões mais afetadas pelo estresse hídrico no Brasil e arrecada fundos para promover Soluções Baseadas na Natureza que visem a ampliar a segurança hídrica nas áreas prioritárias para conservação e produção de água. Em sua primeira fase de atuação, os números impressionam: R$239,7 milhões já foram alavancados para a implementação de projetos em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Vitória possibilitando a conservação e restauração florestal, além da implementação de boas práticas no manejo do solo em 46.434 mil hectares, o equivalente à 46 mil campos de futebol. Beneficiou cerca de 4 mil famílias que vivem nas cabeceiras das principais bacias hidrográficas destas regiões, incluindo o recebimento de cerca de R$ 20 milhões de reais por meio do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).

O PSA é apenas um dos exemplos de política e instrumento econômico que pode ser implementado gerando um impacto positivo para a natureza e para as comunidades. Um modelo próspero, premiado inclusive pela ONU/Habitat, foi o projeto Conservador das Águas. Implementada em Extrema – MG, a iniciativa foi concebida em 2005 pela prefeitura da cidade e com o apoio da TNC. O seu objetivo é manter a qualidade dos mananciais por meio da adequação ambiental das propriedades rurais. Por meio de ações como conservação do solo, implementação de sistemas de saneamento rural e restauração e conservação florestal onde os proprietários rurais foram financeiramente recompensados pelo cumprimento de suas metas. Cerca de 257 propriedades rurais aderiram ao projeto, resultando em 930 hectares restaurados, 3690 hectares conservados, R$15.855.000,00 reais investidos nas práticas de campo, 2 milhões de árvores nativas plantadas e R$ 7 milhões de reais investidos em Pagamentos por Serviços Ambientais a esses proprietários rurais. 

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Promover soluções que provoquem uma transformação sistêmica e em escala para ampliar a segurança hídrica é uma forma produtiva de beneficiar a natureza e a sociedade em médio e longo prazo.

As parcerias com empresas privadas também exercem um importante papel nos esforços conjuntos para a restauração e conservação dos nossos recursos hídricos. O incentivo aos estudos científicos e ao planejamento de ações promovidos pela Coalizão ganhou ainda mais força ao lado de 78 parceiros que atuam em diversos setores, impulsionando táticas de conservação por meio de uma gestão sustentável. O assunto é de tamanha importância que, mesmo em competição no mercado, empresas como Ambev, Pepsico, Coca-Cola e outras 8 empresas contaram com o apoio da TNC para firmar uma ação de cooperação de forma pré-competitiva visando ampliar a segurança hídrica das regiões acima citadas, local onde reside mais de 42 milhões de pessoas.

Promover soluções que provoquem uma transformação sistêmica e em escala para ampliar a segurança hídrica é, portanto, uma forma produtiva de beneficiar a natureza e a sociedade em médio e longo prazo. Precisamos, além de olhar para as estratégias a curto prazo, promover ações estruturantes e duradouras. Dessa forma, podemos ajudar a reduzir os riscos hídricos, fortalecendo um pilar indispensável para o desenvolvimento social e econômico do Brasil, gerando empregos e inclusão, promovendo os usos múltiplos com bacias saudáveis e resilientes às mudanças climáticas hoje, e também para as gerações que continuarão aqui para cuidar do nosso planeta. Assim, contemplamos um marco importante para a Década das Nações Unidas da Restauração dos Ecossistemas e aceitamos o desafio de embarcar na indispensável chance de mitigar as mudanças climáticas sem prejudicar o desenvolvimento socioeconômico do mundo.