Com 2024 sendo classificado como o ano mais quente já registrado na história da humanidade, com cenários inéditos de escassez hídrica no Brasil, é cada vez mais urgente acelerar a implementação de ações para combater as mudanças climáticas e reverter a perda de biodiversidade, por meio de compromissos de redução das emissões e a proteção de áreas naturais. Em 2025, o Brasil sediará, pela primeira vez, o maior evento ambiental do mundo, a Conferência das Partes do Clima (COP30), na Amazônia. Ao realizar o evento na maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo – e um dos principais sumidouros de carbono do planeta –, o país terá a oportunidade de mostrar histórias bem-sucedidas, que aliam conservação ambiental e agricultura sustentável no bioma.
Um desses exemplos emblemáticos é a moratória da soja - acordo multisetorial estabelecido entre a iniciativa privada, governo federal e sociedade civil, que acaba de completar 18 anos de resultados comprovados para a conservação do meio ambiente e para o desenvolvimento econômico da região. Desde junho de 2006, sob as diretrizes deste pacto de desmatamento zero na Amazônia, a área de soja saiu de 1,64 milhão de hectares, na safra 2007-2008, para os atuais 7,28 milhões de hectares no bioma. Esta expansão, entretanto, aconteceu, majoritariamente, em áreas já desmatadas e de pastagens. Se, por um lado, a moratória ajudou a manter a maior floresta tropical do mundo em pé, por outro, não impediu que produtores rurais aumentassem o plantio da soja a uma taxa de 403 mil hectares por ano.
Com cerca de 95% da expansão do cultivo da oleaginosa no bioma amazônico tendo acontecido em áreas já modificadas pela ação humana antes de julho de 2008, a moratória da soja é hoje um dos principais e mais bem-sucedidos acordos multissetoriais de desmatamento zero do mundo.
Mas há outros benefícios da moratória que as estatísticas não contam. No âmbito internacional, o acordo ajudou o país a melhorar a reputação ambiental do principal produto agrícola da nossa pauta de exportação. Esta conquista evidencia ainda seu alinhamento às atuais – e cada vez mais frequentes – práticas de conservação refletidas nas cláusulas antidesmatamento dos acordos de comércio de nova geração, nos compromissos corporativos de desmatamento zero e nas regulamentações internacionais que buscam o equilíbrio entre conservação ambiental e comércio agrícola.
Segundo a Associação Nacional de Exportadores de Cereais (ANEC), os países da União Europeia não são os únicos a exigirem que a soja do bioma amazônico seja livre de desmatamento. Principal destino dos embarques da oleaginosa brasileira, a China também passou a exigir dos exportadores brasileiros a declaração de conformidade com a moratória. Japão, Indonésia e Tailândia são exemplos de outros mercados asiáticos que também exigem essa comprovação das traders que operam no Brasil. Este grupo de países correspondeu a 67,35% das exportações do complexo soja do Brasil em 2023.
Além de promover o acesso da soja brasileira a mercados estrangeiros, a moratória também se alinha aos alertas da ciência, que já demostram evidências de que o mundo deve zerar o desmatamento até 2025[1], sob o risco de eventos climáticos extremos ainda mais graves e prejudiciais à vida, ao bem-estar e à economia - especialmente para o setor agrícola, que pode ser considerado uma fábrica a céu aberto. Desta forma, os números acima atestam que a moratória da soja tem atuado como uma forte aliada ao desenvolvimento sustentável nessa corrida contra o tempo. Associada a outras peças importantes no quebra-cabeça da transição setorial, como os mecanismos financeiros que favorecem práticas regenerativas e sem desmatamento, a moratória tem sido fundamental para mudar a dinâmica do uso do solo e fomentar a eficiência da produção no Brasil.
Seja pelo aspecto de conservação, do desenvolvimento agrícola sustentável, do acesso a mercados ou da contribuição para os desafios climáticos, o fato é que o país não deve perder o legado e as contribuições da moratória da soja. Em meio às recentes tragédias climáticas que tem assolado o mundo e o país nos últimos anos – como é caso de uma das mais severas secas já registradas em partes de Amazônia em 2024 [1] -, a moratória deve ser reforçada e reconhecida por toda a sociedade brasileira – seja por formuladores de políticas públicas ou por defensores do equilíbrio entre meio ambiente e a agricultura do país - como um importante mecanismo para contrapor o crescente desafio de se limitar o aumento da temperatura global a 1.5°C em relação aos níveis pré-industriais.