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Acordos de Pesca: o que as comunidades ribeirinhas têm a nos mostrar sobre os ganhos da gestão participativa dos recursos naturais na Amazônia

Por Samuel Barrêto, Juliana Simões e Lucilene Amaral

Peixes prontos para venda no Tapajós
Acordos de pesca Pesca ribeirinhos no Tapajós © Daniel Govino

A atividade pesqueira artesanal na Amazônia representa uma importante fonte de alimento e de segurança alimentar para as comunidades ribeirinhas, povos tradicionais e indígenas, mas é também uma oportunidade de geração de renda, lazer e reprodução social. Já a pesca comercial de grande porte nas várzeas amazônicas, embora alcance níveis elevados de produtividade, tem se tornado uma fonte de conflitos com as comunidades ribeirinhas, principalmente em relação à sustentabilidade da atividade pesqueira e aos diferentes interesses dos atores sociais envolvidos nessa atividade.

É por este motivo que, para estes casos, os mecanismos tradicionais de gerenciamento dos recursos pesqueiros, focados exclusivamente em atividades de comando e controle, por exemplo, não têm sido eficazes, sendo necessárias outras formas inovadoras e mais eficientes de gerenciamento dos recursos pesqueiros. Esta nova forma de gestão participativa da pesca é conhecida como Acordo de Pesca.

Este Acordo é um instrumento legal para regulamentar a pesca em determinados ambientes aquáticos, com foco na coleta de peixes e outras espécies que constituem os recursos pesqueiros dos rios e lagos da Amazônia brasileira. As regras dos acordos de pesca são formuladas e discutidas pelas comunidades ribeirinhas levando em conta o conhecimento tradicional sobre a reprodução das espécies e a dinâmica social das comunidades que usufruem dos ambientes hídricos.

Embora as regras sejam discutidas e aprovadas considerando o contexto local, para que tenha validade, o processo de formulação do Acordo deve considerar todos os usuários dos cursos de água por ele abrangido, garantido um processo participativo, transparente e mais eficiente na resolução de problemas associados ao modelo tradicional de gestão de pesca.

Desta forma, este modelo vai além de um processo de regulamentação ao definir a gestão compartilhada de responsabilidades entre usuários e governo. Na Amazônia, a gestão compartilhada dos ambientes hídricos ganhou força no final dos anos 1990, impulsionada pelas comunidades ribeirinhas que, desde a década de 1960, constroem os acordos de pesca como instrumento para reduzir os conflitos entre pescadores e garantir os estoques pesqueiros.

Uma curiosidade é que, por lei, as áreas de várzea no Brasil são de domínio público. Sendo assim, uma das importantes diretrizes para a estratégia da gestão sustentável deste ambiente foi o reconhecimento dos direitos individuais e coletivos no uso de lagos e pastagens da várzea.

No início dos anos 2000 o modelo de gestão compartilhada se fortaleceu com a regulamentação dos acordos de pesca pelo Ibama, embora tenha apresentado dificuldades na fiscalização das regras e na imposição de penalidades aos infratores. Em 2011 uma mudança na Lei (Lei Complementar nº 140) permitiu aos estados regulamentarem os acordos de pesca, trazendo benefícios ao aproximar a política pública do território.

Na prática, o fortalecimento desses acordos ainda esbarra em várias localidades devido à ausência de monitoramento, fundamental para a análise dos impactos positivos, combinada à fiscalização, que fica a cargo quase que exclusivamente das comunidades.

Outro aspecto importante para a manutenção sustentável da atividade pesqueira está diretamente relacionado à disponibilidade e à qualidade dos cursos de água, já que afetam diretamente os estoques pesqueiros. Quando há um desequilíbrio em algum desses fatores, ocorrem problemas, como o que aconteceu recentemente no Amazonas e no Pará, quando o intenso calor e a redução dos níveis dos rios causaram a morte de peixes e botos.

Outro exemplo vem do alto impacto ao ambiente e à população das atividades de mineração ilegal, como o ocorrido nas Terras Indígenas Yanomami, no rio Xingu, e nas comunidades que vivem às margens do rio Tapajós, para citar alguns exemplos. Nos estados amazônicos a abundância física de água, associada à enorme extensão territorial do bioma, acaba representando um enorme desafio para a implementação de instrumentos de gestão, como os da Política de Recursos Hídricos.

Embora os desafios existam, é preciso reconhecer a importância e o progresso considerável nos mecanismos de gestão participativa da pesca na Amazônia brasileira a partir dos acordos de pesca. Um bom exemplo vem do estado do Amazonas, que regulamentou mais de 38 acordos, que beneficiam 351 comunidades, 7.020 famílias e 12.145 pescadores. E em 2021, o estado do Pará publicou o Decreto Nº 1.686, que regulamenta os acordos de pesca e entre os acordos aprovados está o do Lago Grande de Curuai, que abrange uma área de cerca de 55 mil hectares, onde vivem 64 comunidades e cerca de 5 mil famílias.

Estes são ótimos exemplos em que uma ação coletiva de cooperação e com abordagem de cogestão, reunindo governos, comunidades, colônia de pescadores, organizações da sociedade civil, agências de cooperação e instituições nacionais e internacionais, fortalece a comunidade e conserva os recursos locais para a segurança hídrica e alimentar.

Este processo, assim como qualquer outro na agenda socioambiental, precisa ser entendido a partir do contexto de cada comunidade e no longo prazo. Considerando ainda o contexto de mudanças climáticas, com eventos extremos ocorrendo com maior frequência e intensidade, estas abordagens se mostrarão cada vez mais eficientes ao considerarem as diferentes realidades e necessidades específicas das comunidades em um cenário que irá exigir resiliência e adaptação.