Proprietário rural olhando para o céu próximo a córrego.
SEGURANÇA HÍDRICA Itamar Silva, proprietário rural de Afonso Cláudio-ES, ao lado de um dos córregos que passa em sua propriedade, onde ele tem restaurado áreas degradadas com agroflorestas. © Felipe Fittipaldi

Artigos e Estudos

Água, equidade e qualidade de vida para a população.

É essencial planejar iniciativas de conservação de bacias para segurança hídrica de forma inclusiva.

Por Rodrigo Spuri - Diretor de Conservação TNC Brasil

Atualmente, mais da metade da população mundial vive em cidades. No Brasil, esse percentual chega a 80%. O fornecimento de água potável para esses milhares de habitantes é um grande desafio porque boa parte das metrópoles já enfrentam estresse hídrico. Segundo o Banco Mundial, algumas regiões poderiam sofrer um declínio de até 6% do PIB nas suas taxas de crescimento até 2050, devido a perdas resultantes da redução dos recursos hídricos, tanto na agricultura quanto na saúde, na renda e nas propriedades, o que levaria a um crescimento negativo permanente. Além disso, metas ambiciosas para melhorar os meios de subsistência, como as estabelecidas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), só poderão ser alcançadas em um mundo no qual haja mais segurança hídrica.

Para a TNC, a segurança relacionada aos recursos hídricos começa com a garantia da gestão adequada da bacia hidrográfica. Soluções focadas apenas em intervenções de engenharia e infraestrutura cinza não atenderão sozinhas à necessidade de garantir a segurança hídrica.
A conservação de bacias hidrográficas é indispensável para garantir o suprimento de água no longo prazo com qualidade e em quantidade, para abastecer a população e para o desenvolvimento da economia.

Pessoa lavando as mãos em nascente do Rio Guandu, no distrito de Lídice, em Rio Claro-RJ.
ÁGUA EM QUANTIDADE E QUALIDADE Pessoa lavando as mãos em nascente do Rio Guandu, no distrito de Lídice, em Rio Claro-RJ. © Devan King/TNC

Segundo o relatório global das Nações Unidas sobre água e clima divulgado em 2020, entre 2001 e 2018, aproximadamente 74% dos desastres naturais foram relacionados à água e, nos últimos 20 anos, mais de 3 bilhões de pessoas foram afetadas por secas e inundações. Os eventos extremos e as inundações aumentaram mais de 50% nos últimos dez anos. Além disso, o número de pessoas sem acesso a água por pelo menos um mês ao ano passará de 3,6 bilhões para 5 bilhões em 2050.

A segurança hídrica é, sem dúvida, um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta. É, portanto, fundamental buscarmos ações de adaptação e mitigação às mudanças climáticas por meio do impulsionamento de uma economia regenerativa, com investimentos inteligentes, governança e gestão integrada, para recuperar as bacias hidrográficas para que sejam saudáveis e resilientes.

Para ampliar a segurança hídrica nas bacias será importante fortalecer a “infraestrutura verde” de bacias hidrográficas, por meio da promoção das boas práticas de conservação, restauração florestal, manejo do solo e de estradas rurais, práticas agrícolas, proteção de cabeceiras e áreas de recarga, adaptação às mudanças do clima e implementação de mecanismos financeiros, como o Pagamento pelos Serviços Ambientais (PSA).

Uma das estratégias da TNC para a conservação da água doce são os Fundos de Água. Temos a Aliança de Fundos de Água para a América Latina, lançada em 2011, formada junto com Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, a Fundação Femsa, o Global Environmental Facility – GEF, a Iniciativa Climática Alemã - IKI e a TNC. A Aliança tem como objetivo promover a conservação e a restauração de importantes bacias hidrográficas que abastecem grandes metrópoles. Os Fundos de Água unem expertise científica, mecanismos de financiamento e governança para fomentar o debate público-privado visando influenciar políticas públicas para a conservação e recuperação de bacias hidrográficas e dos mananciais. Como mecanismo de governança, investimento e execução das atividades de proteção das águas nos mananciais, os Fundos de Água fornecem uma base de atuação coletiva, conectando os gestores público, da iniciativa privada e da sociedade civil para que se beneficiem juntos do valor de uma bacia hidrográfica saudável, compartilhando os resultados e impactos dessa abordagem.

Assim, procuramos dar a nossa contribuição para a proteção deste importante recurso. Desde 2015, no Brasil esse trabalho acontece por meio a Coalizão Cidades pela Água, uma plataforma de ação inédita que envolveu desde o início empresas, setor público e sociedade civil, promovendo soluções baseadas na natureza para a conservação e restauração de mananciais em bacias hidrográficas críticas para o abastecimento, em resposta a crises ambientais e sanitárias. Até 2020, foram alavancados cerca de R$ 240 milhões para a implantação de projetos que ajudaram a conservar mais de 124 mil hectares, restaurados e sob melhores práticas de uso do solo, beneficiando quase 4 mil famílias. E mais de R$ 20 milhões foram empregados em pagamento por serviços ambientais em seis regiões metropolitanas no Brasil onde residem mais de 42 milhões de brasileiros.

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Acreditamos que este não será apenas o século em que a água enfrentará os seus maiores desafios, mas também aquele em que serão feitos os maiores esforços para protegê-la.

Em 2022, Tendo em mente uma maior inclusão e transversalidade, este trabalho da TNC para conservação da água passa a ter uma abordagem que considera, além da segurança hídrica e climática, também a segurança alimentar. Esta expansão busca garantir bacias hidrográficas saudáveis e resilientes, mantendo ou recuperando suas funções ecológicas prioritárias, com disponibilidade de água que permita promover os usos múltiplos, a equidade social e qualidade de vida da população.

A TNC e seus parceiros estão focados em solucionar os complexos desafios de conservação no estado do Pará, na Amazônia, a bacia do Rio Araguaia, no Cerrado, e a região da Mantiqueira, na Mata Atlântica. Esses são os locais estrategicamente selecionados para esta nova fase do trabalho da Coalizão, por conta do papel da Amazônia na formação dos Rios Voadores (umidade que abastece grande parte da América do Sul), da importância do Cerrado como região produtora de alimentos para o Brasil e mundo e do papel-chave da vegetação nativa em prover água para a população de grandes áreas metropolitanas na Mata Atlântica.

Essa iniciativa pretende também mostrar que conservar a natureza é um bom negócio, já que garante a segurança hídrica para a população e para o setor produtivo, promovendo o uso múltiplo da água, a equidade social e a qualidade de vida das pessoas, por meio da boa governança e a gestão sustentável da água.

Acreditamos que, unindo várias frentes e vários parceiros, este não será apenas o século em que a água enfrentará os seus maiores desafios, mas também aquele em que serão feitos os maiores esforços para protegê-la. O primeiro passo, a conscientização de que é necessário agir, já foi dado. Agora é hora de implementarmos ações efetivas para podermos caminhar em direção a um mundo mais equilibrado e sustentável.