Viveiro de mudas
MUDAS PARA RESTAURAÇÃO Viveiro de mudas para restauração florestal em Guarapuava, no Paraná. © Scott Warren

Artigos e Estudos

A regulamentação do Pagamento por Serviços Ambientais

Após um ano da criação da Lei de PSA, é importante discutir o quanto avançamos na sua implementação

Por Lícia Azevedo, Especialista em Políticas Públicas da TNC Brasil.

Somos um país com uma das maiores áreas de florestas naturais do mundo. São aproximadamente 507 milhões de hectares de florestas nativas e 55 milhões de hectares de formação natural não florestal (MAPBIOMAS 2020), distribuídas pelos seis biomas terrestres brasileiros. Essa cobertura florestal é fonte de serviços ecossistêmicos que representam uma oportunidade para a conservação do capital natural do país.

Como um dos países mais rico em florestas do mundo, o Brasil tem papel fundamental para estimular iniciativas individuais e coletivas que favoreçam a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos providos pelas florestas, como a conservação dos ecossistemas, dos recursos hídricos, do solo e da biodiversidade. A Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (Lei nº 14.119), que completou um ano de sua promulgação em janeiro de 2022, foi um passo importante nesse sentido, pois estabeleceu o arcabouço jurídico necessário para avançar na agenda da sustentabilidade no País. 

Mas o processo para se chegar ao atual marco regulatório não foi simples. Foram mais de 13 anos em que diversos Projetos de Lei (PLs) foram propostos e debatidos no Congresso Nacional. Até que, em 2019, o PL n. 5028, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Já no início de 2020, no Senado Federal, foram realizadas três audiências públicas da Comissão de Meio Ambiente para instrução do PL e, ao final do mesmo ano, o Senado aprovou o texto. A matéria retornou à Câmara dos Deputados, cuja aprovação veio no final de dezembro de 2020. O PL foi encaminhado para a sanção pela Presidência da República, sendo promulgado e convertido na Lei nº 14.119 em 13 de janeiro de 2021.

A nova lei nacional de PSA, de maneira geral, instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), além de prever o estabelecimento do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PFPSA), criar o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA) e dispor sobre os Contratos de Pagamento por Serviços Ambientais.

A política de PSA reconhece e valoriza as atividades humanas que estimulam a conservação e a recuperação dos recursos naturais e que geram um benefício – o serviço ambiental - sendo uma forma de impulsionar o ganho de escala da restauração florestal no País, já que há diversas iniciativas locais em andamento que promovem a proteção e restauração de florestas por meio de PSA.

Essa é uma agenda que a The Nature Conservancy (TNC) acompanha há mais de dez anos no Brasil, desde o desenvolvimento de forma pioneira do programa Conservador das Águas pelo município de Extrema-MG, do qual a TNC é parceira desde o início, e que culminou, em 2016, na criação do Plano Conservador da Mantiqueira. A iniciativa abrange mais de 280 municípios dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e tem por objetivo promover a restauração florestal de espécies nativas, em cerca de 1.200.000 hectares, utilizando o mecanismo de PSA, bem como o apoio para a implantação do Plano Municipal da Mata Atlântica – PMMA.

O trabalho que a TNC desenvolve junto ao Plano Conservador da Mantiqueira é um exemplo de iniciativa que promove ações de restauração em terras privadas em que o produtor rural recebe, durante 5 anos, o PSA pelas áreas restauradas em sua propriedade e, depois desse período, a remuneração pode vir pela comercialização de créditos de carbono gerados por essas áreas.

O mercado voluntário de créditos de carbono é uma das diferentes fontes de recursos possíveis para o PSA, principalmente privados. Mas também é possível usar receitas obtidas com a tarifa de água para investimentos na conservação de mananciais aplicados na restauração florestal, como também no pagamento pelos serviços ambientais. Um estudo da TNC mostrou que esses mecanismos inovadores representam uma oportunidade para o financiamento da agenda de conservação.

Assim é preciso analisar as oportunidades do cenário global para criar um ambiente favorável que atraia recursos a serem investidos nos projetos de PSA no País e estimule o desenvolvimento de novas iniciativas em maior escala. Os estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas gerais são exemplos onde políticas estaduais já vem promovendo avanços na implementação do PSA.

Cabe destacar que para avançar ainda mais na concretização da política no âmbito federal e trazer mais segurança jurídica aos programas de PSA existentes, ainda é preciso prosseguir no processo de regulamentação da lei pelo Poder Executivo.

Um ano depois de entrar em vigor, não houve avanços até o momento na sua regulamentação. Há uma grande expectativa por parte das instituições que atuam com PSA e, ao mesmo tempo, por parte dos próprios entes federativos que poderão ficar sem referência para fazerem suas regulamentações locais.

De toda forma, a sociedade civil tem discutido pontos importantes a serem considerados nesse processo, como instrumentos de monitoramento e transparência para atrair investimentos a essa agenda e uma estrutura de governança paritária que inclua representantes do poder público, do setor produtivo e da sociedade civil.

Por certo, para alcançar um mecanismo legal com governança e transparência para todos os envolvidos será preciso haver ampla participação dos diferentes setores da sociedade e considerar todo o processo de aprendizado no tema já desenvolvido pelos estados brasileiros que possuem programas de PSA implementados.

A nova lei traz um excelente instrumento de reconhecimento dos esforços e das boas práticas adotadas pelos produtores - o pagamento pelos serviços ambientais - que estimula uma transformação positiva em ações de conservação das florestas, do solo, da biodiversidade, da segurança hídrica e da mitigação das mudanças climáticas.

Com esse passo importante, é fundamental avançar na regulamentação dessa política para efetivação e reconhecimento do PSA nas políticas públicas do País.