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Inovação em modelos de negócios são chave para colher a riqueza gerada pela sociobioeconomia na Amazônia

Pontes de diálogo podem ser a chave para aproximar mercados para potencializar a riqueza gerada pela sociobioeconomia

Por Aline Perez - Diretora de Engajamento Corpoorativo da TNC Brasil

Pontes de diálogo podem ser a chave para aproximar mercados para potencializar a riqueza gerada pela sociobioeconomia
BIOECONOMIA . © HAROLDO PALO ALTO

O potencial econômico dos produtos da sociobiodiversidade amazônica estão claros quando são analisadas as cadeias produtivas reais, como mostra o estudo que foi realizado pela The Nature Conservancy (TNC), em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Natura. A pesquisa mostra que com as cadeias produtivas como do açaí, cacau-amêndoa, castanha, copaíba, cumaru, andiroba, mel, buriti, cupuaçu e palmito, só no estado do Pará, a renda total gerada pode chegar a R$ 170 bilhões em 2040.

E neste mesmo cenário promissor ainda existe uma longa estrada a ser percorrida no caminho para fortalecer a sociobioeconomia. Tive a oportunidade de conhecer algumas histórias de empreendedores locais no último Fórum Mundial de Bioeconomia, no fim de 2021 em Belém-PA, onde estavam presentes representantes de comunidades tradicionais e locais e empresas com produtos que iam desde artesanato e chocolate ou cafés, até materiais processados, como copos plásticos feitos de resíduos de açaí. Empreendedores que dentro da régua de desenvolvimento de um negócio lutam para conseguir atingir um estágio de maturidade. Essa dificuldade deixa clara a ausência de apoio, mas em alguns casos também de demanda, da qual muitos agentes da cadeia da sociobioeconomia estão reféns. 

E as dificuldades de mercado muitas vezes impulsionam a inovação. Uma das experiências que conheci foi a de um pequeno produtor de orgânicos que precisou transformar seu produto para que ele realmente penetrasse no consumo urbano. A Horta da Terra começou com o conceito de venda de frutas e verduras orgânicas em cestas, mas logo seus fundadores perceberam a dificuldade de os produtos resistirem a horas parados no trânsito até chegar em Belém para serem entregues nas casas dos clientes. A partir desta dificuldade eles transformaram o conceito e passaram a liofilizar as verduras e frutas cultivados para extrair deles um pó, sem a perda de seus nutrientes. Hoje eles são comercializados em saquinhos para o preparo de sucos e de uma série de receitas.

A falta de orientação e informação, consequências do desafio de um mercado pouco mapeado e com poucas políticas públicas de incentivo, também impedem o potencial de crescimento destes pequenos empreendedores.

No entanto, em exemplos como da Horta da Terra conseguimos perceber que é com essa postura empreendedora que precisamos olhar para o desafio da sociobioeconomia. Como um próximo passo após o mapeamento do tamanho e das potencialidades dos produtos da sociobiodiversidade do Pará, é preciso a construção de políticas públicas para fortalecimento da sociobioeconomia. Uma oportunidade é o Plano Estadual de Bioeconomia no Pará (PlanBio), em que a TNC tem participado da construção como uma das organizações integrantes do Grupo de Trabalho. Outras iniciativas de apoio à inovação, como o lançamento de editais de fomento, a exemplo do Inovatec Sociobio (parceria TNC e UFOPA) e Inova Sociobiodiversidade  (parceria da  TNC, SEMAS-PA, PNUD, NORAD e GCF - Task Force), são essenciais para despertar o empreendedorismo em jovens e mulheres indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas. Ações como essas contribuem para estabelecer um mercado de produtos da sociobiodiversidade e solidificar uma demanda para sairmos do estágio de ideia em que nos encontramos.solidificar uma demanda para sairmos do estágio de ideia em que nos encontramos.

 

A OITAVA SEMANA DO EXTRATIVISMO FOI REALIZADA NA COMUNIDADE DO GABIROTO, PA
SEMEX 2022 A OITAVA SEMANA DO EXTRATIVISMO FOI REALIZADA NA COMUNIDADE DO GABIROTO, PA © Mitã Xipaya

Dentro dessa construção são criadas intersecções que conectam dois pontos diferentes, de um lado estão os produtores locais, comunidades indígenas e ribeirinhas e, do outro lado, empresas e indústrias acostumadas a processos e ambientes completamente diferentes da realidade amazônica para muitos destes atores locais. A Rede de Cantinas da Terra do Meio, que entre seus parceiros tem a TNC, é um bom exemplo de como o diálogo e atuação colaborativa entre as comunidades e as empresas têm contribuído para fortalecer o mercado da sociobiodiversidade e para estreitar laços comerciais com grandes empresas a preços mais justos. Para potencializar esse diálogo entre as próprias comunidades e também com as empresas parceiras comerciais, em junho aconteceu a 8ª Semana do Extrativismo da Terra do Meio (SEMEX), realizada em Altamira-PA.
Esses intercâmbios são essenciais para fortalecer parcerias, mas também para evidenciar as particularidades de cada produto e processo de produção das comunidades, que precisam ser considerados no momento de concepção dos negócios de base comunitária.

Querer aplicar o modelo existente dentro de uma indústria em uma comunidade ribeirinha, por exemplo, não é viável e sustentável em todos os sentidos.

Falta inovação no sentido de adaptar os modelos. É preciso o desenvolvimento de novas tecnologias que possam ampliar a escala ou melhorar a logística, dependendo dos objetivos de cada comunidade, sem usar a mentalidade da ‘grande empresa com pessoas qualificadas’. Tecnologias e ferramentas que demandam fácil manutenção, que não necessitem de grandes investimentos posteriores após sua implementação. É preciso adaptação de máquinas e estruturas que não requeiram um ambiente controlado como o de uma fábrica.

É necessário construir mais pontes de diálogo para que se criem essas intersecções, ou seja, cadeias produtivas que alinhem o ambiente, valores e conhecimento tradicional que mantêm a floresta em pé, mas que ao mesmo tempo dão escala para que a produção aconteça a ponto de se criar um produto que possa ser distribuído, e inclusive exportado para diversos países, sem ferir o bioma ou a cultura das comunidades produtoras.

Baseada em princípios bioecológicos, a bioeconomia da sociobiodiversidade valoriza a natureza e a floresta em pé, com o uso sustentável das riquezas da terra de forma respeitável. Quando nos lembramos que o Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta - mais de 20% do número total de espécies da Terra - podemos enxergar que essa diversidade pode fazer com que a Amazônia alcance uma relevante vantagem competitiva no mercado de bioprodutos.

O papel de empresas com essa visão é crucial para que a gente possa ter experiências concretas de investimento rentável para as comunidades locais, para seus investidores e para todas as empresas envolvidas na cadeia produtiva. Com auxílio técnico para a implementação de tecnologias, gestão e investimentos de indústrias responsáveis, é possível estimular um mercado de inovação e que alie o desenvolvimento econômico e social ao uso e conservação das florestas.