Mudanças climáticas Cidade de São Paulo e uma nuvem de poluição vista do Parque Estadual da Cantareira. © Felipe Fittipaldi

Artigos e Estudos

Clima, coragem e a ambição que precisamos agora

Por Lynn Scarlett, Vice-Presidente de Relações Governamentais da The Nature Conservancy.

Com políticos e ativistas do mundo todo participando da Semana do Clima em Nova Iorque, Lynn Scarlett, Vice-Presidente de Relações Governamentais da The Nature Conservancy (TNC), explica porque precisamos de compromissos climáticos mais robustos, e porque o progresso que esperamos pode estar nos menores detalhes.

Sendo uma defensora de longa data das ações climáticas, algumas vezes nos sentimos como Cassandra do mito grego: amaldiçoados com a habilidade de ver o futuro porém desacreditados.

Esse talvez seja o aspecto mais assustador das mudanças climáticas. Nós sabemos os terríveis impactos. Sabemos o que precisamos fazer para evitar uma catástrofe global. Mas ficamos muito distantes de tomar decisões na escala necessária.

Ficamos nos perguntando o que Cassandra teria pensado se presenciasse a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, sabendo que esse compromisso internacional sem precedentes seria seguido de quatro anos de aumento de emissões de gases do efeito estufa, temperatura e nível dos oceanos.

Mesmo assim, eu não me desespero com o futuro. Não me sinto como Cassandra. Hoje as vozes das mudanças climáticas estão sendo ouvidas de forma mais ampla. Poderíamos estar à beira de uma oportunidade única para tomarmos corajosas ações climáticas.

Uma nova consciência

Quanto o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou seu relatório para 1.5 graus em outubro de 2018, a população ficou alarmada, e isso é promissor. A mensagem se espalhou rapidamente quando as pessoas viram o que as Cassandras já sabiam há muito tempo.

Este ano tivemos dois outros relatórios do IPCC, um deles, sobre o uso de terra e mudanças climáticas, foi lançado em agosto. O outro, focado no oceano e na criosfera, que acabou de ser publicado. Esses relatórios não trazem boas notícias, e eles não estão causando o mesmo choque do relatório de 1.5 graus. Mas vale a pena prestar atenção, porque os problemas específicos levantados neles, podem nos indicar soluções específicas.

O relatório de uso de terra de agosto enfatiza mais ainda o que já sabemos: o uso extensivo de terra que a humanidade tem feito é o principal causador das mudanças climáticas. De fato, o setor de uso da terra é o responsável por 1/4 das emissões de gases do efeito estufa, assim como degradação do solo, desmatamento e perda de biodiversidade.

Mas isso também significa que mudar nossas ações pode beneficiar o futuro do planeta. A maneira como comunidades, proprietários de terras e empresas utilizam, protegem e se desenvolvem usando a terra e os recursos naturais é o ponto central da discussão. Uma pesquisa liderada pela TNC mostra que as soluções baseadas na natureza – estratégias para proteger, restaurar e gerir territórios para reduzir emissões e aumentar o sequestro de carbono – podem, teoricamente, reduzir um terço das emissões necessárias até 2030 para manter o aumento da temperatura em menos de 2 graus Celsius.

Soluções baseadas na natureza recebem pouca atenção e investimentos, pelo menos até agora, porém com maiores investimentos elas podem contribuir em uma contínua transição para energia limpa. A natureza e a tecnologia juntas podem oferecer as ferramentas necessárias para combater as mudanças climáticas. A questão é se temos a coragem para usá-las, e rápido.

Coragem significa ambição. E ambição significa atenção aos detalhes.

O que queremos dizer com coragem? Sim, é corajoso quando nações estabelecem e priorizam compromissos de redução de emissões, ou quando empresas trabalham para utilizar 100% de energia limpa ou cadeias produtivas livres de desmatamento.

Compromissos como esses são positivos e passos significativos. Eu gostaria de ver mais disso. Mas uma coragem climática real não é só sobre anúncios e compromissos, é especialmente sobre execução. Isso requer ambição, mas também atenção aos detalhes. Saber como, quando, onde e com quem, para transformar essas declarações em ações concretas.

Sabemos que temo que acelerar a transição para uma energia limpa, mas também temos que pensar sobre como fazer essa transição, e onde colocar essa nova infraestrutura necessária. Uma localização mais inteligente é necessária não só para proteger as paisagens naturais do desmatamento, garantindo maior sequestro de carbono e protegendo a biodiversidade, mas também para eliminar qualquer risco financeiro que possa impedir uma expansão da energia limpa.

Portanto, precisamos de políticas, planejamento e incentivos que levem empresas e investidores a considerar um planejamento inteligente de obras de infraestrutura para energia, só assim poderemos enxergar maiores investimentos em energia limpa, bem planejada e que garanta a proteção das paisagens naturais. É o que aconteceu em Nevada, nos Estados Unidos, onde o estado facilitou a implementação de energia solar em áreas degradadas pela mineração. Se olharmos em escala global, temos 17 vezes a quantidade de áreas degradadas para posicionar a infraestrutura necessária para alcançar os objetivos mundiais de energia limpa.

Da mesma forma, não é apenas “proteger florestas”. A maior parte das florestas intactas do mundo estão dentro de Terras Indígenas, administradas por povos indígenas líderes em sustentabilidade e desenvolvimento de baixo carbono, e muitos desses povos ainda lutam por seus direitos pelas terras. Por isso os governos precisam garantir que os povos indígenas tenham direitos e posse por seus territórios.

Nós avançamos muito em um tempo relativamente curto para compreender a nova realidade climática. O que antes eram promessas ousadas agora é quase senso comum. Mas ainda estamos fracassando quanto ao avanço de mecanismos para alcançar os compromissos e promessas, seja governança, política financeira, incentivos e estruturas tributárias ou regularização fundiária, para dar alguns exemplos.

Esses processos raramente atraem a atenção do público, mas são um trabalho duro e corajoso. O tipo de esforço necessário para converter coragem em ações climáticas tangíveis.

Um drama épico

Eu comecei esse artigo pensando em coragem e figuras mitológicas como Cassandra, depois de assistir uma palestra de David Wallace-Wells para uma plateia de ambientalistas.

A luta da humanidade contra as mudanças climáticas, disse David, “é um drama épico, do tipo que geralmente vemos na mitologia ou teologia, mas estamos vivendo em tempo real e como protagonistas. Porque o futuro climático do planeta será escrito pelo que fazemos.”

Somos os protagonistas. A única coisa nos impedindo de combater as mudanças climáticas é nossa lentidão em agir de forma proporcional à escala dos desafios.

Estranhamente, esse é um pensamento otimista, porque ainda temos chances. E isso me faz lembrar de outro termo para protagonistas: heróis.

Este momento é revigorante. Estudantes estão protestando nas ruas. Líderes indígenas estão reivindicando seus lugares de direito em negociações internacionais. Estados como Nova Iorque e cidades como Nairobi e Brasília estão estabelecendo planos de mitigação mais detalhados e ambiciosos do que qualquer governo nacional. Agora é a hora para mais heróis nacionais e internacionais.

Aqueles que se oferecem para fazer o trabalho duro nessa jornada enfrentam uma incerteza, sobre as consequências de suas ações, intencionais e não intencionais, sobre se o resto do mundo seguirá o exemplo, sobre quais detalhes produzirão grandes resultados e sobre o tipo de impacto que teremos, mesmo nos melhores cenários.

É por isso que precisamos de coragem. Mas a outra alternativa não é uma opção viável.