Como destravar o potencial de restauração florestal da Amazônia
Por Rodrigo Spuri, diretor de Conservação da TNC Brasil
A restauração florestal deixou de ser apenas uma demanda ambiental para se consolidar como uma oportunidade concreta de desenvolvimento econômico, especialmente para a Amazônia. Um bom exemplo de desenvolvimento de uma nova economia de base florestal vem de políticas públicas do estado do Pará.
Apenas neste estado, estima-se que existam 4 milhões de hectares com degradação severa ou intermediária com potencial de regeneração. Essas áreas estão distribuídas principalmente em três categorias de uso: áreas públicas não destinadas, propriedades privadas e territórios indígenas e coletivos. Cada uma delas exige estratégias específicas, mas todas compartilham um denominador comum: a necessidade de financiamento e incentivos para que a floresta em pé e restaurada se torne mais competitiva que os modelos predatórios.
Um bom exemplo são as áreas públicas não destinadas, como aquelas localizadas na APA Triunfo do Xingu. Sem destinação oficial, essas áreas são alvo de ocupações ilegais, como grilagem. Uma dessas áreas foi contemplada no programa-piloto de Concessão Florestal para restauração, lançado pelo governo do Pará com apoio da TNC Brasil.
O primeiro leilão do programa de concessões abrangeu uma área de 10 mil hectares e teve seu contrato assinado entre Estado e iniciativa privada em março de 2025. Nesses casos, a regularização da terra, que é um problema sistêmico em diversas regiões da Amazônia, está resolvida, o que facilita a implementação de projetos de restauração produtiva e ambiental. Trata-se de um modelo inovador que permite ao poder público retomar o controle dessas áreas, atraindo o setor privado com regras claras e objetivos ambientais definidos. Além disso, São Félix do Xingu teve uma redução significativa no desmatamento: de 600 km² por ano em 2023 para apenas 60 km² em 2024, impulsionada pela presença governamental com consultas públicas e desenvolvimento de planos de ação integrados, que coíbem ações ilegais.
Nas áreas privadas, a restauração é impulsionada, sobretudo, pela adequação ao Código Florestal. O Pará, por exemplo, tem como meta restaurar 5,6 milhões de hectares até 2030. Uma das soluções é o Programa de Integridade da Cadeia da Pecuária, que engloba rastreabilidade, apoio ao produtor rural, recuperação de pastagens e regularização ambiental. Ou seja, restaurar virou sinônimo de valorização da produção, acesso ao mercado formal e financiamento rural.
O setor privado já começa a perceber o valor estratégico da floresta restaurada. Projetos de restauração voltados para a geração de créditos de carbono têm avançado na região, sendo os primeiros sinais da criação de um novo setor econômico. Estima-se que já existam mais de 500 mil hectares em projetos desse tipo no Pará, com potencial de desenvolvimento de modelos robustos com foco em integridade, transparência, inovação técnica, governança participativa e integridade ambiental.
A lógica é simples: ao restaurar, as árvores removem gás carbônico da atmosfera e as empresas podem comercializar essa remoção como créditos (1 crédito = 1 tonelada de gás carbônico removida da atmosfera) no mercado de carbono. Um hectare restaurado pode remover entre 400 e 600 toneladas de CO₂ ao longo de 40 anos. Atualmente, o preço do crédito de carbono de projetos de restauração florestal varia entre 10 e 20 Dólares. Ou seja, a geração potencial de receita por hectare restaurado pode ser chegar a 8.000 e 12.000 por hectare ao longo desse período.
Diante de tudo isso, fica evidente que restaurar a floresta amazônica é uma solução urgente, viável e desejável — tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. Para isso, devemos avançar nas condições necessárias para ampliar e replicar esse modelo: governança, financiamento, assistência técnica e segurança jurídica.
O Brasil tem metas ambiciosas assumidas no Acordo de Paris, tratado internacional sobre mudanças climáticas que completa 10 anos neste ano, como o compromisso de restaurar 15 milhões de hectares até 2030. O exemplo do Pará, com suas estratégias e aprendizados, pode inspirar esse esforço e consolidar a visão de que a restauração é um ativo estratégico para o futuro do planeta, das pessoas e da economia global.
Publicado originalmente em Galileu
19 de setembro de 2025
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