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COP30, indígenas e acesso direto a recursos: o mundo tem muito a aprender

Por Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, e Marcio Sztutman, diretor executivo da TNC Brasil.

Águas do Tapajós Lar de quase 900 mil indígenas, o bioma amazônico é fundamental para a luta contra as mudanças climáticas © Daniel Gutierrez

Se depender de nós, a Amazônia não será o palco do funeral da meta de 1,5°C”, diz uma carta elaborada pela Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e que foi entregue ao presidente da COP30, o embaixador André Correa do Lago, este ano. O documento traz, ainda, uma demanda emblemática: que a maior floresta tropical do mundo não seja apenas um cenário das discussões, mas o centro das negociações globais. 

Apesar de não ser segredo que o bioma, lar de quase 900 mil indígenas, é fundamental para a luta contra as mudanças climáticas, também é notório que ele precisa de proteção. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), houve um aumento de 92% da área sob alertas de desmatamento na Amazônia no mês de maio de 2025, atingindo 960 km².  

Em contrapartida, uma análise feita pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que 80 % da biodiversidade mundial está em terras indígenas. Essa é mais uma evidência da eficácia dos povos originários em defender o patrimônio ambiental, fundamentando o trecho de um outro documento da Coiab que diz: “os Estados devem respeitar nossos direitos, incorporar nossos conhecimentos ancestrais e garantir a proteção dos territórios indígenas para conceber estratégias de mitigação e adaptação mais eficazes”.  

Este trecho faz parte de um material entregue a autoridades durante a Pré-COP Indígena, que ocorreu em junho, em Brasília. Trata-se da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em Inglês) Indígena, considerada uma importante inovação no posicionamento político e climático dessas comunidades. Assinada por 28 organizações da Bacia Amazônica, que desejam ter suas vozes ouvidas e fazer parte das decisões em relação às mudanças no clima, a iniciativa, elenca ainda algumas das prioridades para a COP30. Entre elas estão: o reconhecimento e proteção de todos os seus territórios como política e ação climática, em especial os territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato; representação e participação efetiva nos espaços de decisão climática; proteção dos defensores e defensoras indígenas; inclusão de sistemas de conhecimento indígena como estratégias de mitigação, adaptação e restauração ambiental; e estabelecimento dos territórios indígenas da Amazônia como áreas livres de atividades extrativas.  

Também faz parte dessa lista o financiamento climático direto para fundos indígenas. A crise climática é uma dívida histórica que os povos indígenas não criaram, mas estão pagando com a destruição de suas terras e culturas.  No entanto, a ausência de mecanismos de participação e acesso às políticas, somada à necessidade de fortalecimento institucional de algumas das organizações indígenas, têm impedido o envolvimento desses povos nas políticas federais e estaduais de desenvolvimento sustentável e de proteção das florestas.

Em busca de garantir esse direito, o Projeto Redes Indígenas da Amazônia tem como objetivo fortalecer organizações indígenas nos nove estados da Amazônia Legal, o que garantirá uma maior participação e acesso dessas organizações a fundos de recursos de clima e a iniciativas governamentais. O projeto, liderado pela Coiab e com apoio técnico da TNC Brasil, tem colaboração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do Fundo Amazônia, e conta com a participação das nove organizações regionais que formam a base da Coiab, além da Umiab (União das Mulheres Indígenas da Amazônia). A ação busca garantir que essas entidades contem com estruturas, ferramentas e capacidades institucionais e técnicas consolidadas para acessar recursos e exercer o controle social sobre fundos e políticas públicas.  

São quatro eixos principais de trabalho: plataforma Indígena de Monitoramento de Resultados da PNGATI; fortalecimento de estruturas de governança participativa indígena nos 9 estados da Amazônia Legal; oferecimento de cursos em temas estratégicos, por meio do Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI) estaduais e regionais; consolidação da estrutura organizacional da Coiab.  

A soma entre o conhecimento tradicional em prol das florestas, o acesso a recursos e a capilaridade da maior organização indígena regional do Brasil com mais de 400 mil indígenas e abrangência nos 9 estados da Amazônia, influenciando na conservação de cerca de 110 milhões de hectares na maior floresta brasileira, é poderosa. Junto a outras iniciativas, como o Fundo Indígena da Amazônia Brasileira (Podáali), o potencial benefício para a proteção da floresta é enorme.  

Na COP30, o mundo terá a oportunidade de ver de perto a relação entre os povos originários e a natureza que habitam, compondo partes diferentes de um mesmo organismo. Potencializar essa conexão, proporcionando os meios para que os indígenas amplifiquem sua ciência e tecnologia milenar, deveria constar entre os diversos espaços de discussão da Conferência da ONU. Afinal, em tempos de crise climática e de biodiversidade, há muito o que aprender com aqueles que são os donos das terras mais bem preservadas do país.  

Publicado originalmente em Galileu
15 de Agosto de 2025
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