Demarcar terras indígenas é proteger a humanidade
Por Frineia Rezende, Diretora-executiva da The Nature Conservancy (TNC) Brasil
Em novembro, diversas lideranças indígenas brasileiras estarão presentes na Conferência de Clima da ONU (COP28), em Dubai. A influência de movimentos indígenas em fóruns internacionais tem sido crescente, mas a luta por seus direitos continua e o mundo precisa entender que, se povos indígenas estão em risco, muitas vidas no planeta também estarão.
No Brasil, a ameaça aos direitos indígenas segue, mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) pôr um ponto final à tese de que a demarcação de terras indígenas deveria se submeter à existência de um marco temporal. Algumas ações do Congresso vão na contramão do STF e podem ameaçar, por exemplo, os vetos presidenciais ao Projeto de Lei 2903/2023.
Os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e a sua demarcação estão previstas na Constituição de 1988. É, portanto, uma obrigação do Estado demarcar essas terras, que são essenciais para a existência e segurança física e cultural dos povos indígenas.
Em todo o mundo, os povos indígenas são reconhecidos há muito tempo por protegerem suas terras, guiados por ligações profundas ao território, cultura e conhecimentos tradicionais. Cerca de 25% das terras do mundo pertencem ou são geridas por povos indígenas. Inúmeros estudos apontam que, devido aos modos tradicionais de vida, suas terras são as mais conservadas, em comparação com qualquer outro tipo de uso do solo (como propriedades particulares), o que inclui até mesmo outras áreas protegidas pelo governo.
De acordo com o Mapbiomas, as terras indígenas ocupam 13,9% do território brasileiro e, em 2021, somavam 115,3 milhões de hectares de vegetação nativa, que correspondiam a 20,4% do total de cobertura de vegetação nativa no Brasil. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 65 milhões de hectares de vegetação nativa – o equivalente a duas vezes o tamanho do Maranhão. No entanto, as terras indígenas concentram apenas 1,2% dessa perda, frente ao cenário muito mais acelerado das áreas privadas, que perderam 19,9% de sua cobertura.
Portanto, além de atuarem como barreiras gigantes ao avanço do desmatamento, os territórios indígenas exercem papel fundamental na conservação da biodiversidade e funcionam como “sumidouros” de carbono, fundamentais para os programas que visam recompensar financeiramente o desmatamento evitado e a proteção das florestas no Brasil.
O país tem assumido importantes compromissos internacionais, como a meta firmada no Acordo de Paris, em 2015, de zerar o desmatamento até 2030. Uma das principais estratégias para cumprir esses compromissos é a demarcação e a proteção das terras lideradas pelos Povos Indígenas.
Em 2025, o Brasil vai sediar a COP30 numa cidade amazônica (Belém). Daqui até lá, o país não pode deixar dúvidas sobre suas intenções. A decisão ponderada do STF precisa ser ratificada e o governo deve dar continuidade à demarcação de terras indígenas em todos os biomas, como forma de demonstrar seu compromisso no combate à crise climática e à perda de biodiversidade.
Publicado originalmente em Congresso em Foco
23 de novembro de 2023
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