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Por que considerar perda de recursos naturais e degradação ambiental no PIB

Especialistas da TNC Brasil explicam como essas medidas ajudam a entender o impacto de certas atividades no indicador econômico

Por Bruna Stein, economista, e Edenise Garcia, Diretora de Ciências, da TNC Brasil.

Gado em pasto da Fazenda Santa Izabel, em São Félix do Xingu-PA.
AGROPECUÁRIA Gado em pasto da Fazenda Santa Izabel, em São Félix do Xingu-PA. © Erik Lopes

Embora a economia do Brasil esteja fortemente baseada na produção de bens e serviços a partir do uso direto de recursos naturais, os efeitos econômicos dos impactos ambientais gerados pelas diferentes atividades geralmente não são contabilizados. Sem um balanço que leve em conta também perdas e custos de reparação associados à degradação ambiental, atividades que geram um ônus ao meio ambiente acabam sendo consideradas como contribuições positivas aos resultados econômicos.

Essa situação é refletida no Produto Interno Bruto (PIB), indicador baseado na metodologia do Sistema de Contas Nacionais (SCN), adotada internacionalmente, que vem sendo criticada por mensurar a renda gerada por diferentes setores sem explicitar os fluxos de recursos naturais do ambiente para a economia e tampouco o custo da degradação de ecossistemas.

Por exemplo, o aumento da demanda por commodities agropecuárias contribui para um aumento do PIB, indicando crescimento econômico via aumento da produção agropecuária, expansão das áreas cultivadas, intensificação do uso da terra e de máquinas e equipamentos. Mas não considera abater os custos decorrentes da redução de estoques de florestas e carbono, da perda de biodiversidade, do aumento de erosão e demanda hídrica, que deveriam resultar no decréscimo do indicador.

Visando reconhecer a importância de se incorporar no cálculo do PIB os impactos das atividades econômicas, a Divisão de Estatística das Nações Unidas (UNSD), em conjunto com órgãos de estatística de diversos países e organizações internacionais, desenvolveu o Sistema de Contas Econômicas Ambientais – CEA (em inglês System of Environmental Economic Accounting - SEEA). O CEA divide-se em duas grandes partes: o Marco Central, adotado como um padrão estatístico internacional em 2012, e as Contas de Ecossistemas, adotadas em 2021.

O Marco Central considera, de forma integrada, diferentes fluxos de recursos naturais associados ao uso de água, energia, recursos minerais, produtos florestais madeireiros e não madeireiros, recursos pesqueiros etc. O uso desses recursos é medido em termos de variação de estoque, num sistema de informações coerentes, aplicando os mesmos conceitos, estruturas, regras e princípios, e em alinhamento com o Sistema de Contas Nacionais (SCN), no qual é baseado o cálculo do PIB. 

As Contas de Ecossistemas são compiladas a partir de dados espaciais e se dividem em cinco contas principais: extensão do ecossistema, que considera a área; condição do ecossistema, que se refere à sua qualidade; serviços ecossistêmicos, que levam em conta a oferta, e o uso dos serviços tanto em termos de fluxos físicos quanto monetários; e valor monetário considerando estoques e variações dos ativos ecossistêmicos.

As Contas de Ecossistemas podem ser organizadas de acordo com temas ambientais relevantes para políticas públicas específicas como: água, floresta, carbono, biodiversidade, áreas protegidas, mudanças climáticas etc.

A expectativa é que o Marco Central do CEA seja adotado gradualmente pelos diferentes países. De acordo com a Avaliação Global de implementação do CEA de 2021, 90 países implementaram o CEA. Desse total, 62 (69%) publicam pelo menos uma conta regularmente, caso do Brasil; 15 (17%) publicam suas contas somente para alguns fins específicos; enquanto 13 países (14%) compilam, mas ainda não publicam suas contas.

No Brasil, o desenvolvimento das CEA foi liderado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em colaboração com vários parceiros, incluindo Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Nessa jornada foram desenvolvidas diversas publicações das CEA que nos possibilitam compreender não só como as atividades econômicas interferem na qualidade dos ecossistemas do país, como também sua dependência em relação aos serviços ambientais. De acordo com IBGE, a Amazônia, bioma que apresentou a maior redução de áreas naturais em termos absolutos (269.801 quilômetros quadrados), entre 2000 e 2018, especialmente devido às atividades agropecuárias, também apresenta mudanças nos fluxos de serviços ambientais.

Em relação aos serviços de provisão de água, embora a Amazônia concentre a segunda menor demanda de captação de água (145 m³/s, o que representa 7% do total captado em 2017), depois do Pantanal, entre 2010 e 2017 houve um aumento de 17% na demanda hídrica para uso agrícola e 11% para a pecuária.

Em 2017, o principal uso de água direta foi para abastecimento humano (36%), seguido da pecuária (28%) e irrigação (14%). Em função do importante volume de água no bioma, 95% de suas bacias encontram-se em estado excelente do balanço hídrico quantitativo, e apenas 2% encontram-se em estado preocupante, 1% crítico e muito crítico.

Ainda na Amazônia, as Contas de Produtos Florestais Não Madeireiros mostram que, entre 2006 e 2016, alguns produtos da sociobiodiversidade apresentaram uma redução na produção e outros, um aumento. Houve queda da produção de palmito (-33%), babaçu amêndoa (-58%) e borracha (-69%), porém cresceu produção de açaí (+113%) e castanha-do-pará (+22%). As quedas podem estar associadas a diversos fatores, como perda de áreas naturais para coleta, alterações na dinâmica do mercado nacional ou mudança para atividades ligadas a agricultura e pecuária.

Outro importante indicador, resultante das Contas de Espécies Ameaçadas, é a piora do Índice da Lista Vermelha (ILV) para as espécies terrestres, de água doce e marinhas na Amazônia, o que significa aumento do risco de extinção. O desenvolvimento das CEA contribuiu para integrar os valores de biodiversidade, geodiversidade e sociodiversidade às estratégias de desenvolvimento e erradicação da pobreza e redução da desigualdade, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

 

O bioma Cerrado, que teve a segunda maior redução de áreas naturais em termos absolutos (152.706 km²), como resultado de uma contínua e acelerada expansão da agricultura e a expansão das pastagens, no período de 2000 a 2018, também apresenta variações significativas nos fluxos de serviços ambientais. Por meio da expansão dos setores de agricultura e pecuária, o Cerrado possui a segunda com maior demanda de água, totalizando 468 m3/s (22% do total captado em 2017), depois do bioma Mata Atlântica. Os setores de agricultura e pecuária foram os responsáveis pela maior demanda de água no bioma, representando 61% e 12%, respectivamente, em 2017. No período de 2010 a 2017, o setor agrícola gerou um aumento da demanda pelo uso da água de 35%, em função da expansão das áreas agrícolas. Assim como na Amazônia, o Cerrado também teve uma queda na produção de produtos da sociobiodiversidade, como erva-mate (-61%), palmito (-61%), pequi amêndoa (-72%), babaçu amêndoa (-42%), carnaúba em pó (-67%), jaborandi (-25%) e piaçava (-33%). Além disso, também ocorreu um aumento do risco de extinção de espécies.

Já a Mata Atlântica, o único bioma terrestre brasileiro que não tem predominância de florestas, também registrou uma perda de cobertura natural de 13.833 km2, entre 2000 e 2018. Embora tenha registrado a maior redução na taxa de variação das áreas naturais, passando de 8.793 km² no período inicial (2000-2010) para 577 km² no período mais recente (2016-2018). As principais conversões são para uso da lavoura e silvicultura, sendo que esta última apresentou o maior crescimento, com 34%, seguido da área de terras cultivadas em 20%. As bacias hidrográficas da Mata Atlântica são as principais responsáveis ​​pela captação direta de água no Brasil, totalizando 818 m3/s em 2017 (39% do total captado em 2017). Isso acontece, principalmente, em função da demanda das grandes cidades do sudeste brasileiro e da agricultura irrigada, que representam 38% e 19%, respectivamente. Mas as contas indicam um alerta à segurança hídrica: 11% das microbacias estão em estado preocupante, crítico ou muito crítico. Além disso, 28% das microbacias da Mata Atlântica apresentavam balanço hídrico qualitativo razoável, ruim ou muito ruim, relacionado à concentração de áreas urbanas no território. Novamente, as espécies da Mata Atlântica também sofreram um aumento no risco de extinção em todos os ambientes, sejam espécies terrestres, de água doce ou marinhas.

 

Ainda que importantes avanços tenham sido realizados, é fundamental que os custos decorrentes da degradação e da perda dos recursos e serviços ambientais passem a ser efetivamente contabilizados no cálculo do PIB. Considerando as crises ambiental e climática que a sociedade contemporânea enfrenta, em âmbito global, nacional e local, a integração desses indicadores permite que as instituições públicas e privadas possam elaborar políticas setoriais e tomadas de decisão orientadas para a melhoria da sustentabilidade ambiental e redução das desigualdades sociais.

 

 

 

Texto originalmente publicado em 23 maio de 2022 - Revista Galileu

https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Economia/noticia/2022/05/por-que-considerar-perda-de-recursos-naturais-e-degradacao-ambiental-no-pib.html