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E se o litro da água custasse R$200?

Enxergar o valor da água vai além da conta que chega na sua casa.

Por Aline Perez - Diretora de Engajamento Corporativo - TNC Brasil

Vista aérea de uma rodovia de várias faixas que atravessa o reservatório de Atibaina, próximo à cidade de Nazaré Paulista, Brasil. O reservatório faz parte do sistema Cantareira (o maior sistema de ab
SEGURANÇA HÍDRICA Vista aérea de uma rodovia de várias faixas que atravessa o reservatório de Atibaina, próximo à cidade de Nazaré Paulista, Brasil. O reservatório faz parte do sistema Cantarei © Scott Warren

E se o litro da água custasse R$ 200,00? Você mudaria seus hábitos? Consumiria produtos diferentes? E se fosse assim, quantas pessoas não teriam acesso a ela por falta de recursos financeiros?

O acesso ao saneamento no Brasil ainda é bastante desigual, com cerca de 50% da população não tendo serviço de coleta e tratamento de esgoto e 17% sem acesso a água potável, enquanto uma outra parcela vivencia abastecimentos intermitentes. Já para quem vive em lugares com infraestrutura de saneamento básico e abastecimento constante, o máximo que se vivencia em relação à escassez de água é quando há racionamento. Recentemente eu passei nove meses em racionamento na minha cidade que fica no interior de São Paulo. Apesar do tempo de duração e de tantas adaptações que tivemos que fazer no dia a dia, ainda assim vi pessoas lavando a calçada com mangueira e ignorando tal realidade.

É o que acontece quando um recurso de extrema necessidade não tem seu valor financeiro reconhecido, mesmo em uma economia em constante movimento, em um sistema de mercado em que os preços têm aumentado substancialmente a cada dia. Isso sem contar a falta de reconhecimento da importância da água enquanto recurso essencial para a vida e para manutenção de praticamente qualquer atividade econômica, direta ou indiretamente.

Talvez muitos não saibam, mas o que pagamos na conta de água não se refere ao recurso em si, mas ao trabalho de captação, ao tratamento e às despesas para que ela chegue até nós. Ou seja, não pagamos pela água como produto, mas pelo seu serviço de fornecimento pelo setor de saneamento.

Desta forma, como criar mecanismos financeiros adequados para garantir a valorização de recursos fundamentais e escassos como a água, ao mesmo tempo que não inviabilizem seu acesso a todas as pessoas? 

Historicamente a cobrança pelo uso da água aparece desde 1997 na Política Nacional de Recursos Hídricos. A ideia de se cobrar pelo uso dos recursos hídricos tem como objetivo incentivar a economia de água, prevenir a poluição, mas também arrecadar recursos para serem investidos em programas de proteção e recuperação da água nas bacias hidrográficas.

Lembrando que quando falamos em crise hídrica, trata-se da soma de vários fatores acumulados ao longo dos anos, entre eles redução da chuvas, fenômenos climáticos com secas prolongadas, aumento da demanda para diferentes usos água (agricultura, abastecimento e indústria), mas também mudanças no uso do solo, tais como: impermeabilização do solo, a diminuição de áreas remanescentes florestais, degradação de nascentes, matas ciliares e áreas de recarga de aquíferos, entre outros fatores que acabam por impactar a saúde das bacias hidrográficas, como por exemplo, a redução na capacidade de recarga  da água subterrânea.

Tanques de retenção de tratamento de água na estação de purificação de água que fornece cinqüenta por cento da água potável de São Paulo.
ESTAÇÃO DE PURIFICAÇÃO Tanques de retenção de tratamento de água na estação de purificação de água que fornece cinqüenta por cento da água potável de São Paulo. © Scott Warren

A Coalizão pelas Águas, idealizada pela TNC, é uma iniciativa criada exatamente para trabalhar por soluções para conter e evitar crise hídricas. Uma ação coletiva que está em sua segunda fase, e que une esforços junto aos setores público, privado e da sociedade civil, para implementar soluções baseadas na natureza, conservando e recuperando bacias hidrográficas e buscando equilibrar algo que, nos dias de hoje, é irregular: a oferta e a demanda da água.

Vemos que na indústria e nos negócios a preocupação pela disponibilidade da água se amplia e se aprofunda. Grandes empresas têm contribuído para que mecanismos consistentes de finanças sustentáveis tenham sucesso e garantam que cadeias inteiras de produção continuem existindo.

Desde 2015, a Coalizão pelas Águas fez parcerias com empresas globalmente reconhecidas como Ambev, Coca-Cola, FEMSA, PepsiCo, Faber-Castell, Bank of America, Pepsico, Klabin, McDonald’s – Arcos Dourados, P&G, Unilever, White Martins, entre tantas outras. Essas alianças possibilitaram a implementação de melhores práticas agrícolas, conservação e restauração florestal em mais de 124 mil hectares (o equivalente a 124 mil campos de futebol como o Maracanã); e a alavancagem de mais de R$ 240 milhões; incluindo o investimento de mais de R$ 20 milhões em pagamento por serviços ambientais, que beneficiou cerca de 4 mil famílias.

É com esse olhar de todos os agentes da sociedade, públicos e privados, que podemos encontrar soluções e caminhos para que todos enxerguem de forma clara que o que parece finito e de graça, tem custo e que o preço a pagar já é alto com o aumento do risco hídrico, mas pode ficar ainda maior se não trabalharmos juntos pela sua proteção.

Sob essa percepção, hoje, novas empresas já nascem com um modelo de negócio que enxerga o valor da água, o seu potencial e a necessidade dela para a existência de uma economia sustentável no mundo todo.

E para sua empresa? Qual o valor da água?