Investimento Global em Soluções baseadas na Natureza para Segurança Hídrica dobrou na última década
Por Samuel Barrêto, Líder de Água e Sistemas Alimentares da TNC Brasil.
Nos últimos anos, houve uma expansão significativa no interesse em soluções baseadas na Natureza (SbN) para a gestão dos recursos hídricos, que vão desde ações de prevenção contra inundações e deslizamentos de terras até a melhora da qualidade e fornecimento de água. O investimento total dobrou ao longo da última década, alcançando US$ 49 bilhões em mais de 800 iniciativas em 2023.
China, Estados Unidos e União Europeia dominam os investimentos, respondendo por 94% do total. A China lidera o ranking, contribuindo com US$ 26,4 bilhões, cerca de 54% do investimento total em SbN para água. Para além destes países e bloco econômico, o investimento está crescendo ainda mais rápido na África e Oceania, onde cresceu 5 vezes, passando de US$ 57 milhões em 2013 para US$ 288 milhões em 2023.
Os dados são do relatório "Dobrando a aposta na natureza: situação dos investimentos em soluções baseadas na natureza para a segurança hídrica", lançado pela TNC e a Forest Trend — uma análise global abrangente realizada em 140 países, Brasil incluso, entre 2013 e 2023 — e refletem décadas de evolução em políticas públicas após importantes crises ambientais nos anos 1990.
O principal risco hídrico abordado em todo o mundo são as inundações, seguidas de problemas de qualidade da água. A escassez foi uma importante preocupação na África e América Latina. Já sobre os agentes mobilizadores de recursos, os governos forneceram 97% de todo o financiamento (US$47,4 bilhões), tendo os governos nacionais contribuído com US$33,8 bilhões, e, mais uma vez, liderados pela China. O investimento governamental supranacional (US$ 8,5 bilhões) foi liderado inteiramente pela União Europeia, crescendo 2,5 vezes em cinco anos. O investimento governamental subnacional totalizou US$ 5,1 bilhões, com crescimento mais rápido nos EUA (7,7 vezes), México (7,5 vezes) e Equador (5,9 vezes).
Há, entretanto, importante participação dos investimentos pelas instituições multilaterais, que cresceram 10 vezes, somando US$ 489 milhões. Já os investimentos do setor privado cresceram 30 vezes, alcançando US$ 345 milhões. Mais de 75% dos investimentos do setor privado foram orientados por regulamentação, como por exemplo, diretrizes estabelecidas por uma Agência Reguladora de Água e Saneamento.
Os incentivos públicos para proprietários de terras são geralmente voltados para grandes programas, financiados pelo setor público, que operam em escala nacional ou supranacional e que geralmente remuneram proprietários rurais e outros proprietários de terras a aprimorarem suas práticas de gestão, a fim de obter resultados de conservação com benefícios hídricos. Estes têm sido a espinha dorsal do investimento em SbN, totalizando US$ 23,4 bilhões em 2023. Esses programas, financiados principalmente com fundos públicos, vêm demonstrando um crescimento regular, porém mais lento (1,6 vez durante 10 anos) em comparação com outros mecanismos.
Investimentos conduzidos por usuários de água – financiados pelos beneficiários diretos dos serviços prestados por bacias hidrográficas, como serviços públicos, cidades e empresas –totalizaram quase US$ 2 bilhões em 2023, o que representou um crescimento de 2,9 vezes durante a última década.
Saindo da esfera mundial e indo para nossa região, os investimentos em SbN na América Latina e no Caribe atingiram US$ 389 milhões em 2023, um aumento de 2,6 vezes desde 2016. O financiamento multilateral e externo foi responsável por 53% dos investimentos por aqui, incluindo US$ 160 milhões em apoio direto, que não precisa ser pago, e US$ 42 milhões em empréstimos para apoiar programas de incentivos a proprietários de terras.
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A expectativa para os próximos anos é de um forte crescimento, particularmente na China e Europa, onde a estabilidade das políticas, no caso da China, a integração ao planejamento nacional e os compromissos políticos criaram ambientes favoráveis aos investimentos.
Em outras partes, o crescimento futuro dependerá de financiamento diversificado e demonstrações mais claras dos benefícios da mitigação do risco hídrico, como a elaboração ou criação de políticas, sua implementação, e arranjos financeiros de longo prazo.
Hoje, os obstáculos estruturais persistentes, como a instabilidade do financiamento de longo prazo, rotatividade política, fragmentação das instituições e regulamentações que prejudicam as soluções baseadas na natureza, limitam o ganho de escala. A demonstração da importância das SbNs e a implementação de soluções integradas continuam a ser um desafio, especialmente no que diz respeito às bacias hidrográficas, devido às restrições de capacidade, limitação de dados e dificuldades na comunicação dos benefícios de longo prazo, distribuídos às diversas partes interessadas.
Para superar esses entraves, será necessário criar modelos de financiamento de longo prazo, particularmente diante dos crescentes riscos para o financiamento público centralizado para SbN., como mudanças de arcabouços leais. Além de fortalecer políticas públicas e planejamento voltados para o impacto, com estratégias integradas que insiram as SbN na infraestrutura nacional, na biodiversidade, na gestão da água, e na redução dos riscos de desastres naturais, entre outras agendas relacionadas, buscando sinergia em setores e serviços e atraindo novas parcerias.
Outra necessidade é ampliar e direcionar o investimento privado, que atualmente responde por menos de 1% do investimento global em SbN para a segurança hídrica. Embora não venha a substituir o financiamento público, o investimento privado pode desempenhar uma função catalisadora, quando estrategicamente alinhado, e os parceiros públicos podem ajudar a moldar o ambiente propício para canalizar esse investimento para soluções escaláveis de alto impacto.
Por fim, fortalecer a base de evidências para aumentar o impacto exige não só mais financiamento, como também uma estrutura mais bem preparada com profissionais qualificados, dados confiáveis e evidências sólidas. Neste caminho é fundamental valorizar o conhecimento e as liderança locais com programas de SbN, que com frequência enfrentam dificuldade para envolver efetivamente as comunidades locais e Povos Indígenas, apesar de estes grupos deterem profundo conhecimento sobre ecossistemas e desempenharem um papel crucial na manutenção dos resultados de longo prazo.
O Brasil, que abriga 13% de toda água superficial do planeta e o maior aquífero do mundo, têm investimentos em SbN para segurança hídrica distantes de serem significativos, mas uma grande oportunidade para se tornar um líder global nessa agenda, protegendo as pessoas, a economia e os ecossistemas.
Publicado originalmente em Um Só Planeta
23 de julho de 2025
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