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O bioma mais degradado do país pode ser chave no combate ao aquecimento global

Por Adriana Kfouri, diretora do bioma Mata Atlântica da TNC Brasil

The Mantiqueira Restoration Project Brazil Coruputuba Farm, Pindamonhangaba, SP, Brazil: 08/24/2018: Patrick Assumpção, rural producer and partner of TNC Brasil in the Mantiqueira mountain range region. In addition to the legal forest reserve, he develops agroforestry systems, mixing native species of the Atlantic Forest and other species for the production of wood, food and seeds. © @FelipeFittipaldi

Há mais de uma década, Luiz Ricardo Alves e sua esposa Grice, casal muito simpático de produtores rurais do Rio de Janeiro, investem na produção de orgânicos em sua propriedade, localizada em Resende, no interior do Estado, na divisa com São Paulo. Quando se tornaram donos do espaço, que tem cerca de 29 hectares, tudo o que se via era pasto degradado. Com um olhar atento para as questões ambientais, eles reservaram parte de sua área para o processo regeneração natural da vegetação. Cercaram aproximadamente 7,5 hectares degradados e, por meio da venda de créditos de carbono que serão gerados, eles não só passaram a receber incentivos financeiros, mas também melhorar os frutos que colhem, como seus deliciosos limão tahiti, tangerina poncã e banana. 

O processo a que esses produtores deram início faz parte das chamadas Soluções Baseadas na Natureza, que buscam proteger, gerenciar e restaurar ecossistemas de forma sustentável. O resultado é uma série de serviços ecossistêmicos, como o controle da erosão, temperatura local mais amena, e até incremento na polinização, trazendo benefícios para diversos cultivos, para a produção de alimentos e no controle de pragas. Saindo de Resende para o mundo, ações como esta podem oferecer até 37% das reduções de emissões necessárias para manter o clima dentro de limites seguros até 2030.  

No mundo todo, muitas das áreas de florestas desmatadas para atividades humanas são boas candidatas para a restauração. No Brasil, a Mata Atlântica oferece excelentes oportunidades no enfrentamento às mudanças climáticas. Os menos de 20% que sobraram do bioma, que permanecem em fragmentos isolados, abrigam uma rica biodiversidade, incluindo 8% das plantas do mundo, 5% dos vertebrados da Terra, quase 200 espécies de aves encontradas apenas aqui, e 60% das espécies animais ameaçadas do Brasil. 

O tão falado mercado de carbono é uma das diferentes fontes de recursos possíveis para impulsionar a restauração florestal em larga escala, além de ser uma solução para as indústrias de difícil descarbonização. Um estudo publicado pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), em colaboração com outras instituições, mostra que mudanças no uso da terra na Mata Atlântica têm o potencial de diminuir as emissões do bioma em até 6,28 gigatoneladas, entre 2005 e 2050 - equivalente às emissões dos Estados Unidos, segundo maior emissor do planeta, em 2022. Outro levantamento, publicado na Nature Communicatios por um grupo de pesquisadores brasileiros, estima que a recuperação de remanescentes da Mata Atlântica pode gerar até US$2,6 bilhões em créditos de carbono. 

A perspectiva de ganhos financeiros através deste mercado, considerado parte fundamental na estratégia de descarbonização da economia mundial, é um dos fatores que traz grande estímulo para a regeneração de áreas da Mata Atlântica ao promover sua valorização. Mas, vale ressaltar: não é o único. Outro estudo, publicado também por brasileiros na revista One Earth, repercute a viabilidade econômica da restauração de fazendas de café do bioma. De acordo com a publicação, o aumento dos serviços ecossistêmicos resulta em melhorias na produção do grão, superando os custos referentes à restauração da floresta, que incluem plantio de árvores e perda de áreas usadas para agricultura ou pastagens.  

As várias iniciativas de restauração florestal existentes no Brasil evidenciam que o país tem potencial de implementar e apoiar projetos que retiram gases de efeito estufa (GEE) do ambiente e a chance real de emplacar um mercado de carbono de alta integridade. Evidenciam também que é possível alavancar investimentos adicionais para a implementação da restauração e apoiar a sua manutenção a longo prazo a partir do seu potencial de geração de empregos e renda, já que o processo exige pessoas capacitadas para preparar o solo, plantar e monitorar as áreas, implantar cercamento adequado, além de sementes e mudas que formarão a floresta. 

Uma parceria entre a TNC e o Mercado Livre, por meio do programa Regenera América, tem possibilitado a restauração de quase 3.000 hectares de árvores na região da Mantiqueira, contribuindo para a recuperação e a conservação da Mata Atlântica e para o combate às mudanças climáticas. A jornada, iniciada em 2021, trará diversos benefícios ao longo dos próximos anos, incluindo a ampliação da restauração florestal no bioma, a orientação de novos projetos e o fortalecimento do mercado voluntário de carbono no Brasil.  

Por meio de pagamentos pelos serviços ambientais a proprietários rurais que desejam restaurar suas propriedades, como é o caso de Luiz Ricardo e Grice, citados no início desse texto e participantes do programa, é possível promover equidade, recuperação ambiental e conservação da biodiversidade de forma eficaz. Até o fim de 2024 já destinamos R$1,3 milhão para pagamentos de serviços ambientais para mais de 150 proprietários, e o projeto movimentou, com a compras de insumos e serviços, mais de R$10 milhões nas economias locais. 

As lições aprendidas até agora são valiosas: como valorizar a futura floresta e envolver os proprietários, o custo efetivo da implementação de projetos de restauração e carbono, as estratégias corretas de restauração conforme o tipo de terreno para, o que é mais importante, ter um mercado de carbono de alta integridade. A TNC trabalha com diversas organizações locais para desenvolver a capacidade de participação no mercado de carbono de alta integridade, promovendo capacitações, workshops, projetos de originação e certificação de créditos de carbono, além de apoiá-las na construção de seus próprios projetos, como é o caso da Apremavi, organização não governamental que atua em Santa Catarina e no Paraná e está implementando um projeto de carbono em 7 mil hectares.  Dessa forma, podemos ampliar a restauração da Mata Atlântica, valorizando a floresta e os agricultores que a protegem. 

Mais do que apenas o produto de um trabalho de restauração baseado na ciência, da colaboração, da mobilização e da busca pela inovação, estes resultados marcam o início de um futuro mais próspero, que valoriza as florestas, melhora a qualidade de vida das comunidades rurais e contribui para um planeta saudável. E o futuro é agora. Vamos restaurar! 

Publicado originalmente em Galileu
19 de maio de 2025
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