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Estamos aproveitando a megabiodiversidade aquática do Brasil?

A segurança da água deve ser uma prioridade na agenda política e dos políticos uma vez que é um assunto de interesse estratégico para o Brasil

Por Samuel Barrêto

Peixes em um rio cristalino no Brasil © João D'Andretta/Concurso de Fotos TNC 2022

O Brasil é o país de maior biodiversidade do planeta. Foi o primeiro signatário da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) e é responsável por aproximadamente 14% da vida mundial, distribuída em seis biomas: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal, Pampas e Caatinga. Além disso, é também o país mais rico do mundo em disponibilidade de água doce, com cerca de 13% da água doce superficial do planeta.

Cada um desses biomas é importante para a biodiversidade global e desempenha um papel crítico na manutenção do equilíbrio ecológico e no fornecimento de recursos naturais. No entanto, todos eles enfrentam ameaças significativas devido ao desmatamento, à expansão agrícola desordenada, à contaminação da água e do solo, à urbanização e a outras atividades humanas, o que destaca a importância da conservação e da gestão sustentável dessas áreas.

Os ecossistemas de água doce, embora cubram menos de 2% da superfície do planeta, desempenham um papel crucial: abrigam um elevado percentual de habitats e espécies, influenciam a diversidade e a distribuição da biosfera terrestre, alimentam economias, além de conectarem comunidades humanas dentro e além de suas fronteiras.

Ameaças aos ecossistemas de água doce e à biodiversidade estão se intensificando rapidamente e apresentam riscos profundos. Apenas um terço de todos os rios do mundo continuam a fluir livremente, o planeta testemunhou uma perda de 35% em zonas úmidas entre 1970 e 2015, e esta taxa tem aumentado anualmente desde 2000. Essa perda tem implicações significativas para o clima global e evidenciam a necessidade urgente de proteger e conservar estes ecossistemas vulneráveis, reconhecendo o seu papel fundamental na sustentação da biodiversidade, na preservação do equilíbrio climático do nosso planeta, no desenvolvimento econômico, dos benefícios com a socio biodiversidade, com o bem-estar social e na manutenção da vida. Todos estes problemas aliados aos impactos das mudanças climáticas podem ser observados no aumento dos desastres relacionados à água, mas também com os incêndios e especialmente as ondas de calor que têm acontecido igualmente em áreas urbanas e rurais nas diferentes regiões do país e do mundo. No Brasil, apenas em 2023, foram nove ondas de calor e o ano mais quente da história já registrado.

Para reverter a curva de declínio da biodiversidade, a escassez de água e os consequentes impactos negativos econômicos e sociais, precisamos de políticas públicas fortes e integradas. A gestão da água é, possivelmente, a questão ambiental com maior poder de integração, afetando todos os segmentos da sociedade e perpassando os diversos usos do solo, como a exploração de florestas, agricultura, indústria, navegação, turismo, mineração, entre outros setores. O funcionamento dos ecossistemas aquáticos depende também das condições e qualidade da cobertura vegetal de suas bacias. E para tratar o problema do déficit hídrico e da qualidade de água é preciso tornar o consumo mais racional e equilibrar a gestão da demanda com a gestão e governança da oferta.

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A disponibilidade da água pode ser aumentada por meio da combinação de ações em infraestrutura tradicional, aquela construída pelo homem, e em infraestrutura verde, aquela que, mesmo com interferência humana, usa-se de elementos da natureza para se estabelecer.

A infraestrutura tradicional será sempre necessária para fornecer água para as diferentes finalidades. Mas os ecossistemas naturais com a sua infraestrutura natural, fornecem serviços ambientais que proporcionam benefícios diretos para os seres humanos como para o abastecimento de água, por exemplo. No caso da água, promovem o controle da qualidade, a regulação hidrológica, a retenção de sedimentos, a redução de poluentes, entre outros serviços ecossistêmicos críticos.

Por isso, é necessário promover uma mudança de paradigma em relação à água em todos os segmentos da sociedade. Precisamos de uma abordagem ecossistêmica para a gestão de recursos hídricos, valorizando os rios, as bacias hidrográficas e as áreas úmidas pela importância destes sistemas nos processos ecológicos e pelos serviços ambientais que eles oferecem. Mas também por outras dimensões cujo valor não pode ser monetizado, como as dimensões cultural, espiritual e religiosa.

A segurança da água começa com a garantia da gestão adequada da bacia hidrográfica, com a conservação e recuperação das suas funções ecológicas prioritárias, que são a qualidade e a quantidade de água, assim como o fluxo hidrológico. E não apenas, com ocorrem os danos, é preciso atuar de forma preventiva e permanente. Para isso, deve ser uma prioridade na agenda política e dos políticos uma vez que é um assunto de interesse estratégico para o Brasil.

O tema da água e dos recursos hídricos precisa retornar ao topo da agenda ambiental, tanto no Brasil quanto no planeta. É cada vez mais claro que a ainda existente megabiodiversidade brasileira nunca foi empecilho ao desenvolvimento.

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Pelo contrário, obstáculo é não ter recursos naturais com a geração dos seus serviços ecossistêmicos.

Se tivermos a capacidade e a sabedoria de estabelecer rapidamente um novo pacto socioambiental em torno do cuidado com o meio ambiente e claro, com a água e com as pessoas, poderemos esperar dias mais prósperos ao invés de testemunharmos mais uma oportunidade de naufragar.

Publicado originalmente em Um só Planeta
 08 de fevereiro de 2024
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