9,2 milhões de hectares. Esse pode ser o impacto do fim da moratória no aumento do desmatamento na Amazônia, segundo estudo da The Nature Conservancy (TNC), em colaboração com o Mapbiomas. Para se ter uma ideia desse impacto ambiental, essa área passível de desmatamento legal corresponde ao tamanho de Portugal.
Recentemente, as discussões sobre a manutenção ou o término desse acordo multissetorial têm ganhado espaço na imprensa nacional e internacional, especialmente devido à investigação recém-iniciada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e às ações sob análise – ainda que indiretamente – no Supremo Tribunal Federal (STF).
É inegável que, desde 2008, a Moratória da Soja tem se mostrado um mecanismo eficiente para a conservação da maior floresta tropical do mundo, ao mesmo tempo em que sua existência não impediu o avanço do setor agroindustrial da soja no bioma. Os dados do último relatório da moratória revelam que o plantio da leguminosa expandiu-se de 1,64 milhão de hectares, em 2006, para os atuais 7,28 milhões de hectares — um aumento de 340%.
Ao deslocar novas plantações de áreas cobertas por florestas para pastagens degradadas, esse mecanismo multissetorial foi bem-sucedido em equilibrar a produção agrícola sustentável com a conservação de florestas nativas na Amazônia. Apenas 250 mil hectares dos 7,28 milhões foram decorrentes de expansão sobre floresta, o que representa cerca de 4,5% do total.
No ano em que o Brasil sedia a COP-30, em Belém (PA), a eventual extinção desse acordo multissetorial compromete as ambições firmadas pelo país nos acordos internacionais sobre mudanças climáticas — entre eles, o de atingir o desmatamento zero até 2030. Essa meta está diretamente relacionada a outro compromisso internacional do Brasil: reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035[1], em comparação com os níveis de 2005.
Não à toa, a Moratória da Soja consta como parte integrante da 5ª fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), do governo federal. Trata-se, portanto, de um mecanismo multissetorial que beneficia todos os setores envolvidos — produtores, exportadores, governos e sociedade civil. Isso porque os efeitos positivos desse instrumento ajudam no combate ao desmatamento e, consequentemente, na redução das emissões, indispensáveis para que o Brasil atinja a neutralidade climática em 2050.
Além disso, a Moratória da Soja tornou-se uma vantagem competitiva para produtores e comercializadores do grão, ajudando a consolidar o país como um fornecedor confiável e responsável perante mercados internacionais que têm, cada vez mais, priorizado a sustentabilidade e a rastreabilidade.
O exemplo mais recente é o regulamento antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês). A decisão da Comissão Europeia exige que as importações de algumas commodities — entre elas, a soja — estejam livres de desmatamento após 31 de dezembro de 2020.
A redução do desmatamento também é um dos principais motivos para o atual impasse nas negociações bilaterais entre o Mercosul e a União Europeia para a formação de uma zona de livre comércio entre os dois lados do Atlântico. A eventual extinção da Moratória da Soja poderá representar um sinal negativo do Brasil — maior economia do Mercosul — para os negociadores europeus. Para se ter uma ideia, em 2024, a UE foi destino de 14% das exportações brasileiras do complexo soja, que geraram US$ 7,4 bilhões para o saldo comercial do agronegócio nacional[2].
Os compromissos das principais empresas exportadoras de soja de eliminar o desmatamento de suas cadeias de produção até o fim de 2025 reforçam a importância da moratória como instrumento alinhado à estratégia do setor, fortalecendo a reputação da soja brasileira e ampliando o acesso a mercados internacionais.
Além da alavanca econômica, o acordo também se alinha aos alertas da ciência sobre a urgência de reduzir as emissões de gases de efeito estufa — o que inclui o desmatamento zero até 2030 — sob o risco de eventos climáticos extremos ainda mais intensos, frequentes e prejudiciais à vida, ao bem-estar e ao desenvolvimento econômico, inclusive do próprio setor agrícola.
Nesse contexto de equilíbrio entre produção agropecuária e conservação ambiental, os recursos financeiros para a manutenção da vegetação nativa em propriedades rurais tornam-se parte indispensável da engrenagem para mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. Por isso, a manutenção da moratória também deve caminhar lado a lado com mecanismos financeiros climáticos — inclusive os chamados pagamentos por serviços ambientais.
O fato é que as contribuições e o legado da moratória representam uma conquista coletiva, seja no aspecto da conservação, do desenvolvimento agrícola sustentável, do acesso a mercados ou da contribuição para os desafios climáticos. Esse avanço deve ser celebrado por toda a sociedade brasileira — formuladores de políticas públicas, setor privado e sociedade civil — além de inspirar novas iniciativas e compromissos do Brasil na agenda global de redução do desmatamento em florestas tropicais.
Em meio às recentes tragédias climáticas que têm assolado o país nos últimos anos — como as mais severas secas já registradas em partes da Amazônia em 2024 — a moratória deve ser reforçada e reconhecida como uma solução para conter o avanço do aquecimento global e buscar caminhos mais seguros e sustentáveis para o futuro.
Por esses motivos, esse acordo multissetorial torna-se fundamental para que o Brasil atinja os compromissos assumidos no Acordo de Paris (COP 21), especialmente o de reduzir o desmatamento. O país é um dos protagonistas nos esforços globais para conter a crise climática.
Perder a moratória neste momento é retroceder algumas casas nesse tabuleiro da corrida contra o tempo.
Sobre a Moratória da Soja:
Trata-se de um acordo multissetorial (empresas, governo e sociedade civil) estabelecido pelas empresas signatárias, que se comprometem a não adquirir soja de fazendas com lavouras em áreas desmatadas após 22 de julho de 2008 no bioma Amazônia. A iniciativa é o exemplo mais bem-sucedido do mundo na conciliação entre o desenvolvimento da produção agrícola em larga escala e a sustentabilidade ambiental, especialmente no aspecto mais crítico: o desmatamento zero. Ela não impediu o desenvolvimento da sojicultura, mas priorizou o uso de terras abertas anteriormente à moratória, mitigando, assim, seu avanço sobre novas áreas de floresta[3].
[1] Fonte. Ministério do Meio Ambiente. Meta lançada em novembro de 2024, durante a COP de Baku (Azerbaijão).
[2] Fonte: Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetais (Abiove), 2025.
[3] Fonte: Portal da Moratória da Soja. Disponível em: www.moratoriadasoja.com.br