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O futuro da natureza é o nosso futuro

A CEO da Nature Conservancy, Jennifer Morris, compartilha por que é hora de uma colaboração radical sobre mudanças climáticas.

NASCER DO SOL EM INDIANA. Alvorada em Blue Grass Fish & Wildlife Area, próxima a Chandler, Indiana.
Sunrise in Indiana Sunrise at Blue Grass Fish & Wildlife Area, near Chandler, Indiana. © Andrea Kappler

Por ser uma conservacionista a vida inteira e agora CEO da The Nature Conservancy, sou uma otimista inquieta. Escuto o relógio da mudança climática que não para. Vejo claramente as ameaças à biodiversidade e a perda da natureza. Ouço as histórias das populações vulneráveis mais direta e imediatamente afetadas por secas, tempestades intensas e outros desastres naturais cada vez mais severos.

Mas ainda assim sou otimista. Acredito que a comunidade global possa reunir-se e aprovar as políticas certas, levar as indústrias para um caminho mais sustentável e capacitar as comunidades locais para proteger os recursos que as sustentam, por um motivo simples: Acredito no poder da humanidade para agir.

Área Protegida de Khan Khentii, Khuh Nuur, Mongólia.
Mongolia A saúde e o bem-estar econômico das pessoas estão vinculados à saúde do nosso ambiente local. Para melhorar nossas vidas, precisamos proteger a natureza © Nick Hall

A crise da natureza é uma crise humana.

Sempre fui amante da natureza. Mesmo quando criança, passava os verões explorando o pequeno bosque próximo à casa de minha família em Atlanta, Geórgia, anotando no meu caderno os nomes das espécies de pássaros e árvores que podia identificar. Contudo, vinte e sete anos atrás, quando era professora de inglês em uma pequena comunidade rural no Norte da Namíbia, despertei para um entendimento completo de nossa capacidade de criar um mundo melhor por meio da proteção da natureza.

Depois de um dia ajudando as mulheres a coletar lenha e furar poços para ter acesso à água limpa do aquífero, minha amiga Ria e eu sentamos sob a lua cheia para ver fotos da sua juventude. Ela me mostrou fotos da sua comunidade rodeada de florestas exuberantes e contou histórias sobre como pescava e colhia milho.

Sua vida de mulher adulta foi muito diferente: sua casa era cercada de campos castigados pela seca e ela passava grande parte do seu dia percorrendo longas distâncias para coletar água e lenha para sua família, distancias que continuavam a aumentar por causa do desmatamento. Essas longas viagens eram acompanhadas de maior risco de violência, menos tempo em casa e menos horas de estudo na minha classe, além de nenhuma possibilidade de encontrar um trabalho remunerado.

Aquela noite comecei a entender com mais profundidade a conexão entre nossa saúde e bem-estar econômico e a saúde do meio ambiente local. A partir daquele momento decidi dedicar minha carreira a proteger a natureza e melhorar as vidas de todos que dependem dela.

E não consigo imaginar um momento mais urgente para estar inteiramente dedicada a este trabalho do que agora.

Uma árvore luta para sobreviver no deserto inclemente de Sossusvlei, Namibia. Esta foto foi inscrita no concurso de fotos da The Nature Conservancy de 2018.
Árvore na Namíbia. A mudança climática e a perda da biodiversidade representam enormes riscos para as comunidades e as economias de todo o mundo. Não agir é ser cúmplice dos desafios que persistem há gerações. © Sidra Monreal

A mudança climática e a perda da biodiversidade são duas das maiores ameaças que o mundo enfrenta. Essas duas crises representam enormes riscos para as comunidades e as economias de todo o mundo. Não agir com relação a elas é compactuar com a exacerbação dos desafios que enfrentamos em consequência da atual pandemia de COVID-19, sem falar no conflito global, desigualdade de renda e outras adversidades que persistem há gerações. A ação não é apenas uma obrigação moral, mas também um imperativo existencial. Todos os caminhos para um mundo melhor dependem da nossa capacidade de proteger as terras e águas que nos fornecem ar e água limpos, alimentos saudáveis e um clima estável.

A colaboração é nossa ferramenta mais forte para a mudança

Uma mudança significativa não pode ser alcançada por nenhuma organização isoladamente. Nem mesmo por várias organizações que pensam da mesma maneira. Há várias décadas, cientistas, Povos Indígenas e ambientalistas vêm denunciando repetidamente a degradação de nossos ecossistemas e as mudanças em nosso clima. Fomos alertados sobre os graves impactos para as futuras gerações. Bem, essas gerações estão aqui agora. E nossos esforços até o momento, embora importantes e significativos, têm sido insuficientes para alcançar uma mudança sistêmica.

Para obtermos resultados tangíveis e duradouros, precisamos nos engajar em colaboração radical, entre setores, crenças e bases de conhecimento.

Esse espírito de cooperação faz parte do DNA da The Nature Conservancy e é um dos principais motivos pelos quais fui atraída a liderar esta incrível organização. Há 69 anos, a TNC reúne pessoas em torno de uma visão comum de proteger e cuidar da natureza. À medida que nosso impacto crescia em todos os 50 estados e mais de 70 países e territórios, trazíamos ainda mais parceiros para as negociações. A visão apartidária da TNC de ciência em primeiro lugar para o trabalho com líderes não governamentais ajuda a impulsionar políticas que incentivem a proteção da natureza e, ao mesmo tempo, equilibrem as necessidades econômicas e de saúde das comunidades. Por meio de parcerias corporativas, trabalhamos com empresas grandes e influentes e aproveitamos os conhecimentos científicos para influenciar a mudança em todas as etapas das cadeias de suprimento e em todos os setores. E junto com investidores e líderes, estamos desbloqueando novas fontes de capital para ampliar o impacto de nosso trabalho em conservação.

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Para obtermos resultados tangíveis e duradouros, precisamos nos engajar em colaboração radical, entre setores, crenças e bases de conhecimento.

Igualmente crítico para o sucesso de nosso trabalho e a saúde do nosso planeta, é o envolvimento e o apoio aos Povos Indígenas e comunidades locais, que administram suas terras desde tempos imemoriais. Fortalecer suas capacidades e ajudá-los a manejar os territórios naturais de modo a aprimorar suas subsistências também melhorará os resultados da conservação para um quarto das terras do mundo, áreas ricas em biodiversidade que também armazenam nada menos que 17% do carbono das florestas do planeta.

Conservação baseada na ciência para um mundo em transformação

Servindo de base para essas colaborações estão o rigor da ciência e a inovação para acompanhar um mundo em constante mudança, desde a criação do mapeamento espacial de classe mundial, que ajuda a monitorar áreas protegidas e a estudar os padrões de migração, até o aproveitamento de nossa experiência financeira e em negociação, que impulsiona o investimento privado na natureza, sem esquecer a ampliação da proteção e recuperação de florestas, campos e terras úmidas que sequestram o carbono da atmosfera. Nossa abordagem colaborativa baseada na ciência nos ajuda a identificar onde trabalhar, como fazê-lo e de quem precisamos para alcançar nossos objetivos.

Vista aérea da Cidade do Cabo, África do Sul.
Cidade do Cabo O relevante trabalho de conservação da Cidade do Cabo, que também proporcionou importantes empregos, está suspenso durante a pandemia de COVID-19. © Bruce Sutherland/City of Cape Town

A atual pandemia vem causando impactos consideráveis ao nosso trabalho de conservação e às pessoas com quem trabalhamos ao redor do mundo. Fomos obrigados a interromper projetos de campo importantes, como a retirada de plantas invasoras para evitar a perda de água e proteger a biodiversidade em bacias hidrográficas da área metropolitana da Cidade do Cabo, África do Sul, uma atividade que gerou renda para mais de 120 membros da população local. Em locais como a Índia, estamos repensando como podemos ajudar as comunidades rurais, uma vez que centenas de milhares de migrantes retornam aos seus vilarejos devido ao confinamento das cidades. Pensamos que este seria “Um Super Ano para a Natureza”, mas tudo está mudando, já que importantes fóruns internacionais, onde pretendíamos defender grandes mudanças de políticas, foram adiados.

Não podemos ignorar esses contratempos, mas podemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para priorizar a saúde de longo prazo de nossa organização, nossas comunidades e nosso planeta. Por isso, intensificaremos nosso trabalho nas áreas em que sabemos que poderemos ter o maior impacto, proteger as terras, mares e rios do planeta e enfrentar a mudança climática. Diante da urgência da nossa missão, devemos aumentar nosso foco nessas áreas cruciais, direcionar nossos recursos para elas de modo a garantir resultados e, nesta era rica em dados, fortalecer nossa capacidade de mensurar nosso impacto. Também é importante nos responsabilizarmos por nossos valores em tudo o que fazemos, comportando-nos com integridade irrepreensível e tratando todos os nossos colegas, voluntários e parceiros com dignidade e respeito.

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Estes são tempos incertos, mas podemos ver em todo o mundo a rapidez com que somos capazes de responder a uma crise global quando trabalhamos juntos.

A próxima década de conservação será diferente, uma vez que a sociedade se concentra na reconstrução de nossas economias e nas comunidades após a pandemia, e este período será crucial para determinar a trajetória da saúde do nosso planeta. Quando definirmos um novo caminho a seguir, a natureza será mais importante do que nunca, e teremos oportunidade de ressaltar seu papel essencial na manutenção de nossa saúde, nossa subsistência e nosso bem-estar. Na The Nature Conservancy daremos destaque às soluções baseadas na natureza que são fundamentais para enfrentar a mudança climática, filtrar e limpar o ar e a água, proteger as comunidades costeiras de tempestades cada vez mais intensas e sustentar as economias locais.

Em uma cozinha comunitária no Ejido Veinte de Noviembre na exuberante Floresta Maia da Península de Yucatan, no México.
Floresta Maia As comunidades nativas da Floresta Maia, especialmente as mulheres, são cruciais para promover a conservação de um quarto das terras do mundo. © Ami Vitale

Estes são tempos incertos, mas podemos ver em todo o mundo a rapidez com que somos capazes de responder a uma crise global quando trabalhamos juntos. É uma verdadeira fonte de esperança. Nossas outras crises de longo prazo exigem esse foco e essa escala de ação para criar um mundo mais sustentável para as próximas gerações.

Este cargo é mais do que um trabalho para mim, é um chamamento. Sei que não estou só. Estou cercada de milhares de colegas, apoiadores, líderes voluntários e parceiros que dedicam sua vida a proteger e recuperar os espaços naturais. Estou muito emocionada de juntar-me a eles e a todos vocês. Somente juntos podemos agir no nível que o planeta exige.