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Protagonismo indígena frente à crise climática: “A resposta somos nós”

Por Helcio Marcelo de Souza, Líder da Estratégia com Povos Indígenas e Comunidades locais da TNC Brasil

Protagonismo indígena Povos indígenas reunidos no projeto Águas do Tapajós © Daniel Govino

Trinta e três anos separam a Rio 92, marco na discussão sobre o desenvolvimento sustentável que ocorreu no Brasil, e a COP30, maior evento mundial para a busca de soluções para a emergência climática, que terá como o palco a Amazônia. Muita coisa mudou ao longo dessas décadas, inclusive a relevância das questões ligadas ao cuidado com o meio ambiente, que deixaram de estar restritas a grupos específicos e passou a marcar presença no dia a dia de empresas, governo e sociedade. Um ator, entretanto, inconteste e com relevância crescente são os Povos da Floresta.

De Raoni, Chico Mendes e Payakan, lideranças que marcaram o grito global dos Povos da Floresta na Rio 92, até hoje, em que vemos representantes como Sonia Guajajara, Joenia Wapichana e tantos outros, que ocupam os principais palanques da política nacional e global. Em comum, o fato de serem líderes inspiradores, que passaram de remanescentes de um passado para serem protagonistas de novo modelo de sociedade que se apresenta como um dos caminhos para construir um futuro para a humanidade.

Dados comprovam o crescimento expressivo da importância dos Povos Indígenas e de seus territórios. Segundo o Censo 2022, eles são 1.694.836 pessoas, o que representa 0,83% da população brasileira, pertencente a mais de 305 povos, falantes de mais de 275 línguas, um dos maiores mosaicos socioculturais do planeta. Atualmente, nos registros da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), existem 736 Terras Indígenas (Tis), além de mais de 500 reivindicações para regularização fundiária, somando 117 milhões de hectares, sendo que 98,25% da área total das TIs do país estão na Amazonia Legal.

As Terras Indígenas na Amazônia brasileira têm 97% de seus territórios com florestas e são inegavelmente as áreas mais bem preservadas além de terem sido identificadas como áreas de extrema, muito grande ou grande importância para a manutenção da biodiversidade. Elas são as barreiras mais eficientes contra o desmatamento e a devastação ambiental. Estudo do MapBiomas Brasil indica que as terras indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa em 30 anos, enquanto em áreas privadas a perda foi de 20,6%. Além disso, a conservação das florestas dos territórios dos Povos Indígenas contribui para a manutenção de serviços ecossistêmicos, como o ciclo da água, a manutenção da qualidade do ar e a proteção do solo. Estudos científicos recentes mostraram, por exemplo, que 80% da área coberta por lavouras e pastagens no Brasil depende das chuvas geradas pelas florestas mantidas de pé nas terras indígenas da Amazônia.

A extrema capacidade dos Povos Indígenas em proteger está relacionada como seus múltiplos sistemas culturais, cosmovisões, sistemas de conhecimento tradicionais e práticas de uso dos ecossistemas que se baseiam numa abordagem holística, que reflete o conhecimento e os modos de ser indígenas, nos quais a natureza não é um objeto inanimado que abriga recursos a serem explorados. Animais e elementos da natureza são vistos e sentidos como seres dotados de consciência e agência, que devem ser

consideradas, a natureza como “mãe-Terra” interconectada e interdependente de todos os seres, incluindo as pessoas. Nesta abordagem os sistemas de conhecimento ancestral indígenas buscam um diálogo com a ciência ocidental para a construção de um novo paradigma de futuro, que permita superar a crise humana que está levando à crise climática. “A resposta somos nós” é a campanha que os Povos Indígenas, através de redes de organizações indígenas brasileiras e globais, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazonia Brasileira (Coiab) e a Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC), estão levando para a COP30. As bandeiras defendidas incluem o respeito e o apoio aos seus direitos à terra e seus modos de vida como medida prioritária de ação climática; defendem o desmatamento zero; fim da dependência a combustíveis fósseis; nenhuma mineração em territórios indígenas; e acesso direto ao financiamento climático.

O objetivo inclui advocacy por compromissos de implementação inéditos e concretos, transparentes e monitoráveis para a Convenção de Mudanças Climáticas da ONU sobre: posse da terra e financiamento direto aos Povos Indígenas; a promoção de uma ligação clara e concreta entre as Convenções sobre Clima, Biodiversidade e Desertificação; visibilidade para posicionar as economias comunitárias e os mecanismos de financiamento direto para os Povos e comunidades. O objetivo principal da campanha indígena “A resposta somos nós” é pautar nas negociações da COP 30 a inclusão da “NDC Indígena”, que leve a um compromisso global de demarcação das terras como política de mitigação climática dentro da Convenção de Clima.

Todos esses anseios e a luta por reconhecimento e proteção de terras e sistemas de conhecimento indígenas, que perdura há séculos, mostram a importância e a crescente organização dessas populações para reivindicarem seus direitos. Nos mostram também o quanto temos a aprender com os mais eficazes defensores da natureza e a relevância de apoiarmos essas comunidades. A despeito dos 33 anos que separam a Rio 92 da COP30, os Povos Indígenas permanecerão como um dos principais protagonistas nas negociações, por isso, devemos estar todos acompanhando seus movimentos rumo à COP30.

Publicado originalmente em Galileu
17 de abril de 2025
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