Uma abelha voa para uma flor rosa em um fundo preto
Amegilla cingulifera Uma abelha voando próximo a uma flor rosa © Junqiu Huang /TNC Photo Contest 2019

Artigos e Estudos

Financiando a natureza: Eliminando a lacuna no financiamento da conservação da biodiversidade

Precisamos de 700 bilhões de dólares para reverter a crise global da biodiversidade—e é assim que vamos conseguir atingir a meta

Em parceria comthree logos representing Paulson Institute, The Nature Conservancy, and Cornell Atkinson Center for Sustainability

I. A configuração da terra e do mar

A biodiversidade—o grande número e variedade de espécies vegetais e animais no planeta—é essencial para a saúde do nosso planeta.  Essencialmente, é a natureza com outro nome.

Na diversidade, há resiliência: quanto maior a variedade de espécies na Terra, mais o nosso planeta pode mitigar e se adaptar a desafios como mudanças climáticas, crescimento populacional e esgotamento de recursos e continuar a dar um lar adequado para todas as espécies que vivem aqui— incluindo nós humanos.

E ainda assim, a biodiversidade enfrenta um declínio acentuado e de longo prazo, impulsionado em grande parte pelo comportamento humano. A Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) das Nações Unidas alertou recentemente que estamos explorando a natureza muito mais rapidamente do que ela pode se renovar. Se não mudarmos o curso, até um milhão de espécies conhecidas podem desaparecer até 2050, com terríveis consequências para a saúde do planeta.

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Financiando a Natureza: eliminando a lacuna no financiamento da conservação da diversidade

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Se alguma vez houve uma chance de reverter essa tendência, ela se apresenta agora. Representantes de 196 países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica trabalharão ao longo do próximo ano para negociar uma nova estrutura global para proteger a natureza e reverter este declínio de décadas da biodiversidade. Os negociadores estão discutindo novas e maiores áreas protegidas, melhor governança dos recursos naturais e dos setores que os utilizam, melhor aplicação das regras e regulamentos existentes - e, talvez o mais intimidador, como pagar por tudo isso.

Enquanto o mundo enfrenta os impactos financeiros e de saúde da pandemia de COVID-19, é fácil dizer que não podemos nos dar ao luxo de nos preocuparmos com a natureza agora. Mas o custo de não fazer nada - tanto em termos econômicos quanto de saúde do planeta - é muito maior. Na verdade, pesquisas do Fórum Econômico Mundial mostram que cerca de metade do produto bruto mundial depende alta ou moderadamente da natureza.

Não podemos ter sociedades saudáveis ​​e prósperas se não protegermos os sistemas naturais dos quais elas dependem. Para conseguir isso a longo prazo, precisamos de uma mudança transformacional na forma como valorizamos a natureza em nossas economias. No entanto, isso não acontecerá da noite para o dia - nesse ínterim, devemos aumentar o quanto gastamos com a proteção da natureza para desacelerar e interromper a perda da biodiversidade.

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Bicheno, Tasmânia Uma onda quebrando na noite de Bicheno, Tasmânia. © Mathew Tildesley /TNC Photo Contest 2019

II. Eliminando a diferença

Para financiar suficientemente a proteção da natureza, precisamos saber exatamente quanto gastamos atualmente - e quanto mais será necessário gastar. Essencialmente, precisamos determinar o quanto falta para chegarmos ao financiamento necessário para proteger a natureza. A The Nature Conservancy, o Paulson Institute e o Cornell Atkinson Center for Sustainability da Universidade de Cornell analisaram intensamente esses números como parte do nosso relatório "Financiando a natureza: eliminando a lacuna no financiamento da conservação da diversidade global".

Nossa estimativa é que em 2019, o mundo gastou entre US$ 124 e US$ 143 bilhões por ano em atividades que beneficiam a natureza no mundo inteiro. Isso representa quase o triplo do financiamento desde 2012 - mas ainda assim não é suficiente. Os gastos com subsídios agrícolas, florestais, pesqueiros e de combustíveis fósseis que degradam a natureza são pelo menos cinco vezes maiores do que os gastos que trazem benefícios à natureza.

Para reverter o declínio da biodiversidade até 2030, precisamos gastar entre US$722 e US$967 bilhões por ano. Isso significa que a diferença no financiamento necessário para proteger a natureza é de US$824 bilhões por ano.

Essa estimativa é substancialmente maior do que as anteriores. Por quê? A nossa é a primeira análise a incluir o custo de mudanças na agricultura, infraestrutura e outros setores de alto impacto para modelos de negócios mais sustentáveis. Sem fazer mudanças substanciais nos setores que estão impulsionando a degradação da natureza, não deteremos a perda da biodiversidade por mais significativas que sejam nossas ações em outras áreas.

Mas, por maior que seja nossa lacuna de financiamento, há algumas notícias promissoras: podemos fechá-la por menos de 1% do produto bruto anual (PIB) global. Para efeito de comparação, isso é aproximadamente equivalente ao PIB anual da Polônia ou do estado de Minas Gerais em 2019. É menos do que o mundo gasta em cigarros ou refrigerantes em um ano. Não é praticamente nada se considerado junto aos trilhões de dólares que os governos mundiais estão injetando em suas economias por meio de programas de estímulo ou as dezenas de trilhões em ativos privados em todo o mundo.

 

Apresentamos aqui uma série de mecanismos que, se implementados na escala certa, podem liberar o financiamento de que precisamos. Essas soluções vêm de toda a sociedade. Algumas são novos instrumentos financeiros para alavancar o investimento privado, enquanto outras são mudanças relacionadas a políticas públicas. Muitas são governamentais, mas outras pedem às empresas privadas que repensem suas cadeias de suprimentos e investimentos. Todos convocam os indivíduos a fazer mais, sejam eles líderes no governo, negócios ou finanças, ou apenas pessoas comuns com interesse em um planeta saudável.

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Podemos eliminar a lacuna de financiamento em natureza com o valor gasto em cigarros e refrigerantes ao redor do mundo.

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CAIRNS, AUSTRÁLIA Pelincanos no Freshwater Lake in Cairns, Austrália. © David Clode

III. Reduzir, Produzir, Investir

Se pensarmos na lacuna de financiamento para a proteção da natureza como um número monolítico - até 700 bilhões de dólares por ano – ela é intimidadora. Mas quando dividimos esse valor em uma série de categorias menores e mais administráveis, fechar a lacuna começa a parecer factível.

Na verdade, é possível fecharmos até metade dessa lacuna sem nenhum novo financiamento. Muito do que precisamos é uma melhor aplicação dos fundos existentes e políticas e opções mais inteligentes de investimento – deslocando o fluxo de capital de comportamentos prejudiciais e direcionando-o a resultados que beneficiem a natureza. Outras recomendações funcionam, tais como obter mais retornos, utilizando a mesma quantia.



Estimativa de crescimento do financiamento resultante da ampliação dos mecanismos propostos até 2030




Agrupamos nossas recomendações de abordagens em três categorias: aquelas que reduzem os danos, aquelas que geram novas receitas e aquelas que geram maiores benefícios fazendo uso diferente dos fundos existentes.

1. Reduzir atividades econômicas danosas (até US$293 bilhões*)

A redução de atividades econômicas que prejudicam a natureza, por sua vez, diminui a necessidade de financiamento para neutralizar esses impactos. Mudanças na maneira como vários setores operam - e nas operações que os governos subsidiam - podem contribuir muito para diminuir a lacuna de financiamento em prol da natureza. *É importante notar que mesmo que nossa análise não tenha calculado com base em um valor específico para gestão de risco de investimento, é improvável que fecharemos a lacuna de financiamento até 2030 sem reforma nestá área também.

  • Redirecionar subsídios prejudiciais: A reforma dos subsídios representa a maior oportunidade para fechar a lacuna de financiamento. Atualmente, quase US$ 294 bilhões  em subsídios agrícolas, pesqueiros e florestais que são prejudiciais à natureza são gastos por ano. Redirecionar esse montante para incentivar práticas mais sustentáveis beneficiaria a natureza ao mesmo tempo que mitigaria as mudanças climáticas e aumentaria a segurança alimentar.
  • Melhorar a sustentabilidade da cadeia de suprimentos: O impacto histórico das cadeias de suprimentos globais na natureza tem sido essencialmente negativo, caracterizado por práticas insustentáveis na agricultura e em outras indústrias. No entanto, uma mudança para práticas mais responsáveis na gestão da cadeia de suprimentos oferece uma oportunidade para evitar danos e até mesmo impactar a natureza positivamente.

2. Produzir novos rendimentos (US$169-416 bilhões)

Mesmo se reduzirmos consideravelmente a atividade econômica nociva, ainda precisaremos de novas fontes de financiamento. A chave é gerar receita de maneira inteligente, justa e equitativa que promovam as necessidades da natureza enquanto compartilham os encargos financeiros entre aqueles que lucram mais com a biodiversidade ou podem melhor pagar por ela. Os mecanismos de geração de receita incluem:

  • Reforma das políticas fiscais domésticas: Os governos têm poder significativo para influenciar e dirigir a economia de forma a aumentar a receita e desestimular atividades que prejudicam a natureza, incluindo novos fluxos de financiamento por meio de impostos, taxas, alívio de dívida, empréstimos e tarifas.
  • Expansão da economia verde: O interesse em investimentos sustentáveis teve um boom nos últimos anos, mas os investimentos que beneficiam diretamente a natureza ficaram para trás em relação aos investimentos em infraestrutura de baixo carbono. As instituições financeiras podem ajudar expandindo as oportunidades de investimento em títulos verdes, empréstimos verdes a juros baixos e títulos de impacto ambiental. Os governos podem ajudar criando diretrizes e padrões claros para esses investimentos.
  • Mecanismos crescentes de compensação ambiental: A agricultura, a infraestrutura e as indústrias extrativas que têm impactos negativos sobre a natureza devem compensar e fazer o offset dos danos que causam restaurando ecossistemas degradados ou protegendo ecossistemas em risco. Dito de outra forma, "se você quebrar, você paga."

3. Investir de maneira mais inteligente (US$138-198 bilhões)

Além de reduzir danos e gerar novas receitas, há a questão de como usamos os investimentos públicos e privados existentes. As instituições já estão investindo trilhões de dólares em infraestrutura, mitigação do clima e assistência ao desenvolvimento; com mudanças inteligentes nas políticas, podemos redirecionar esses investimentos muito mais para aqueles que também pagam dividendos para a natureza.

  • Aumentar a assistência oficial ao desenvolvimento para a biodiversidade: Expandir a ajuda de instituições multilaterais e nações doadoras para as nações ricas em biodiversidade pode assumir a forma de perdão de dívidas, doações diretas e assistência técnica em apoio a iniciativas de biodiversidade.
  • Investir em infraestrutura natura: Recifes, florestas, pântanos e outros sistemas naturais fornecem habitat para a vida selvagem ao mesmo tempo em que prestam serviços importantes, como gerenciamento de água e proteção costeira. Em alguns casos, essa infraestrutura natural pode ser mais econômica do que soluções de engenharia.
  • Maximizar o potencial climático da natureza: Proteger e restaurar terras naturais é uma das melhores maneiras de mitigar as emissões de carbono – ao investir nessas soluções, os governos podem cumprir seus objetivos climáticos e proteger a natureza. Incluir paisagens naturais nos mercados de carbono ou alavancar outros incentivos financeiros cria uma justificativa econômica adicional para proteger a natureza..


Principais mecanismos para fechar a lacuna de financiamento global para a proteção da natureza até 2030 (em bilhões de dólares/ano)

 


 

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É possível preencher metade do déficit de financiamento em natureza sem precisar de nenhum novo investimento.

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SUMATRA, INDONÉSIA A belíssima víbora azul é uma predadora extremamente agressiva encontrada na Sumatra. © Robin Yong/TNC Photo Contest 2019

IV. Transformando o financiameto em ação

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Cada nação, cada setor e cada cidadão do mundo têm um papel a desempenhar na proteção da natureza. O declínio e a degradação do mundo natural é um problema global e exigirá uma resposta global equitativa, tanto em termos dos sacrifícios exigidos dos participantes quanto dos benefícios que isso lhes confere. Garantir a participação de todos os grupos - e a cooperação entre eles - será a chave para fechar a lacuna de financiamento.

Mudanças nos incentivos governamentais — incluindo a reforma ou redirecionamento de subsídios —serão chave para impulsionar essas mudanças. As empresas podem ter um impacto importante reduzindo o consumo, compensando as atividades extrativas com comportamentos proporcionais e de preservação da biodiversidade e implementando programas que melhoram a eficiência e a sustentabilidade em toda a cadeia de abastecimento global.





Todos os países devem reconhecer e valorizar plenamente o papel que a biodiversidade desempenha não apenas em ecossistemas saudáveis, mas em economias saudáveis. A natureza deve ser vista como um recurso finito a ser valorizado e seu uso administrado de forma sustentável. Munidos de uma compreensão mais completa sobre os benefícios da biodiversidade — dos quais a mitigação e adaptação às mudanças climáticas não são menos importantes — os líderes nos níveis mais altos do governo devem integrar a biodiversidade em suas políticas e decisões legais e fiscais.




Enquanto isso, as instituições multilaterais e os países doadores devem desenvolver programas de Ajuda Oficial ao Desenvolvimento bilateral e multilateral para apoiar as nações menos desenvolvidas que demonstrem ter programas claros e sustentáveis que travam a perda de biodiversidade. Os bancos e instituições financeiras também podem incentivar os esforços de melhoria da biodiversidade por meio de prioridades e políticas de empréstimos verdes.

 

E, em última análise, os cidadãos-consumidores desempenham um papel fundamental na proteção da biodiversidade: primeiro, entendendo o escopo do problema e as soluções disponíveis; e segundo, por escolher apoiar e trabalhar para empresas e instituições de crédito que estão igualmente comprometidas com metas e iniciativas de sustentabilidade de longo prazo e, nas democracias, votando em políticos que priorizam a proteção da natureza.

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Cobrir o déficit não é só sobre dinheiro. É uma questão de prioridades: o que valorizamos mais no mundo?

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NEW FOREST, REINO UNIDO Samambaias no Parque Nacional de New Forest no Reino Unido. © Annie Spratt

V. O caminho a ser seguido

O mundo natural sempre serviu de inspiração e recurso para as sociedades e culturas humanas. No entanto, em algum momento a balança se desequilibrou e a natureza se tornou objeto de exploração. Hoje, não apenas nossas terras e águas estão poluídas e esgotadas, mas o número e a variedade de plantas e animais — a diversidade dos seres vivos na Terra — está em sério declínio. A biodiversidade e as crises climáticas estão entrelaçadas e ameaçam a vida tal como a conhecemos em nosso planeta.

Precisamos reinvestir em nosso planeta, mas fechar a lacuna de financiamento da proteção da natureza não é apenas uma questão de encontrar o dinheiro. É uma questão de prioridades: o que mais valorizamos no mundo? Como mostra nossa pesquisa, muito do financiamento de que precisamos para proteger a natureza se origina no setor privado: no entanto, os governos devem definir as condições e os incentivos para que o financiamento flua de forma a gerar resultados positivos para a natureza. Em muitos aspectos, nosso problema de financiamento é um problema de políticas e regulamentação.

A 15ª Conferência das Partes (COP15) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica está agendada para ocorrer em Kunming, China, em maio de 2021. Enquanto os países discutem o termo de um "novo acordo para a natureza", nunca houve um momento melhor para os governos mundiais tratarem dessas questões. Cada solução delineada aqui não funcionará em todos os países, mas os líderes podem identificar aquelas que são mais apropriadas para seus países e suas economias desenvolverem um plano que financie seus compromissos com a natureza. E, coletivamente, podemos criar um plano de financiamento para o planeta.

Quando tivermos sucesso, a recompensa virá na forma de uma resiliência natural que beneficia a todos nós: maior segurança alimentar, hídrica e econômica; um clima mais estável; redução do risco de pandemias e, não menos importante, dos benefícios intangíveis que a natureza nos traz todos os dias. É um pequeno preço a pagar.

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Financiando a natureza: eliminando a lacuna no financiamento da conservação da diversidade global

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