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Guardiões da natureza na Amazônia

Valorizar as florestas vivas recompensando as comunidades que lutam pela proteção da natureza.

Indígenas fazem dança em aldeia.
WOPA150831_D006.jpg Indigenous People at the Kokraimoro village, in São Félix do Xingu, Brazilian Amazon. © Miguel Lindenberg

As florestas são importantes. Elas absorvem aproximadamente 2,4 bilhões de toneladas métricas de carbono por ano e ajudam a regular nosso clima. Além disso, estima-se que as florestas gerem diretamente 250 bilhões de dólares em atividade econômica anualmente, e até 100 trilhões de dólares por ano se considerarmos seu potencial de captura de carbono — o equivalente ao produto interno bruto mundial.

A floresta amazônica é a maior floresta tropical remanescente do planeta. Ela abriga 1/4 das espécies do mundo, 1/5 da água doce do planeta, 2/5 das florestas tropicais e mais de 350 comunidades indígenas e tradicionais. Quase do tamanho continental dos Estados Unidos, a Amazônia se estende por nove países: Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana Francesa, Guiana e Suriname.

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No entanto, esse ecossistema vital está em risco. Em 2024, os incêndios florestais na América Latina, impulsionados pelas mudanças climáticas, devastaram uma área do tamanho da Costa Rica. Esses incêndios liberaram aproximadamente 1,15 gigatoneladas de dióxido de carbono na atmosfera — mais do que todas as emissões de carbono por uso de combustíveis fósseis na América do Sul em 2023.

Por enquanto, a Amazônia atua como um grande reservatório de carbono, armazenando 650 bilhões de toneladas de dióxido de carbono em suas árvores. Se perdermos essas árvores, todo esse carbono será liberado na atmosfera, contribuindo ainda mais para as mudanças climáticas. Por isso, cresce a preocupação de que a Amazônia esteja próxima de um ponto de inflexão: deixar de sequestrar carbono e passa a ser uma fonte líquida de emissões.

Muitas áreas da Amazônia são classificadas como "Florestas com Alta Cobertura e Baixo Desmatamento" (HFLD, na sigla em inglês), ou seja, regiões com grandes extensões de floresta intacta que sofreram pouca alteração histórica. Embora essas regiões representem uma pequena proporção das florestas remanescentes do mundo, seu impacto na regulação climática é desproporcional: acumularam grandes reservas de carbono "irrecuperável" ao longo de séculos, compõem a maioria dos ecossistemas terrestres que absorvem 30% das emissões humanas globais por ano e ajudam a resfriar a superfície do planeta.

Aerial view of a dense forest.
Floresta Amazônica Vista aérea de São Félix do Xingu. © Erik Lopes
Duas araras voando em floresta da Amazônia Brasileira.
ARARAS NA FLORESTA Duas araras voando em floresta da Amazônia Brasileira. © Ricardo Martins/TNC Photo Contest 2019
Floresta Amazônica Vista aérea de São Félix do Xingu. © Erik Lopes
ARARAS NA FLORESTA Duas araras voando em floresta da Amazônia Brasileira. © Ricardo Martins/TNC Photo Contest 2019

Muitas comunidades indígenas e locais vivem nessas zonas HFLD. Elas estão entre os melhores guardiões da terra e da água do planeta, especialmente quando possuem direitos fundiários sólidos e acesso direto a financiamento. Só na Amazônia, os povos indígenas gerenciam mais de 30% da floresta, e imagens de satélite mostram que o desmatamento em seus territórios é quase 50% menor do que em terras similares ao redor.

Apesar da enorme importância global das florestas e de seus habitantes, o financiamento destinado a essas áreas é limitado. Os fluxos financeiros atuais estão muito aquém dos 460 bilhões de dólares anuais estimados como necessários para deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030. Além disso, de todo o financiamento disponível para as florestas, menos de 2% chega diretamente aos povos indígenas e comunidades locais.

Mapa mostrando a localização de comunidades indígenas na Amazônia.
Mapa mostrando a densidade de biomassa na Amazônia.
Localização de comunidades e biomassa na Amazônia. Imagens do Observatório Terrestre da NASA mostram a correlação entre a vegetação e as áreas protegidas por comunidades indígenas. © NASA Earth Observatory

As regiões HFLD e seus habitantes deveriam ser recompensados por seu papel como guardiões do carbono e da biodiversidade. No entanto, grande parte do financiamento disponível tem sido historicamente direcionada a áreas com altas taxas de desmatamento, com foco na redução de emissões por perda de florestas. Isso deixou poucas oportunidades de financiamento dedicadas às áreas HFLD e suas comunidades. Esse desequilíbrio cria um incentivo perverso: se as recompensas financeiras estiverem vinculadas apenas à interrupção do desmatamento ativo, pode-se indiretamente incentivar a perda de florestas como meio de qualificação para esses fundos.

Uma solução é criar mecanismos financeiros complementares que reconheçam e recompensem as comunidades em zonas HFLD por manterem suas florestas intactas. Um exemplo é o proposto Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), liderado pelo governo do Brasil. Essa iniciativa busca fornecer financiamento confiável e de longo prazo para as florestas tropicais do mundo. O programa recompensaria os países conforme seu sucesso na conservação de ecossistemas florestais, incluindo as áreas HFLD. De forma crucial, enfatiza a inclusão dos povos indígenas e comunidades locais, destinando pelo menos 20% dos fundos diretamente a eles. Isso garante que aqueles que protegem esse patrimônio natural recebam apoio significativo.

Embora o TFFF ainda precise de ajustes, especialmente em sua articulação com mecanismos existentes como o REDD+, seu foco na liderança do Sul Global e sua nova visão de incentivos lhe conferem grande potencial. Em vez de se concentrar apenas na redução do desmatamento, o TFFF busca recompensar os países florestais tropicais por seus esforços de conservação, oferecendo uma nova forma de valorizar e financiar a proteção das florestas.

Na The Nature Conservancy (TNC), reconhecemos o papel crítico das florestas, especialmente das áreas HFLD, que têm sido relativamente negligenciadas. Também reconhecemos a necessidade urgente de financiamento que permita manter essas florestas em pé. Avaliamos mais de 14 ideias para ampliar o financiamento para essas regiões. E, acima de tudo, entendemos a importância de canalizar recursos diretamente para os povos indígenas e comunidades locais.

Na Amazônia, há mais de 25 anos construímos alianças e relações de confiança com organizações e territórios indígenas. Juntos, estamos apoiando-os para superar barreiras culturais, operacionais e financeiras, e desenvolver mecanismos de financiamento liderados pelos próprios povos indígenas que fortaleçam seu papel como guardiões e diversifiquem seus meios de vida. Isso lhes permite implementar suas próprias soluções climáticas, fortalecer sua autodeterminação, proteger seus direitos e salvaguardar as florestas que beneficiam a todos. Também ajuda a reconhecer e recompensar seus modos de vida, criando as condições necessárias para que prosperem em seus territórios e liderem a conservação a partir de suas comunidades. Não se trata apenas de uma necessidade ambiental e climática: é um investimento nas pessoas que cuidam de nossas florestas e um passo fundamental rumo a um futuro mais justo e resiliente para todos.