
“Quando o rio começa a subir, o seu som muda!''
Aquiles Wiles Piranga Cruz, um membro dos Povos Koreguaje na região de Caquetá, Colômbia, passa a vida ouvindo os rios. Suas palavras refletem um entendimento profundo e ancestral compartilhado por mais de 500 povos indígenas que vivem em ritmo com as águas da Bacia do Rio Amazonas há milhares de anos.
Abrangendo oito países e cobrindo 40% da América do Sul, a bacia inclui a maior floresta tropical da Terra. Conforme as mudanças climáticas se intensificam, o mundo tem focado cada vez mais na capacidade que a floresta Amazônica tem de armazenar o carbono que esquenta o planeta—e nas terríveis consequências de sua perda.
Mas por debaixo da cobertura, é a água que sustenta o ecossistema—milhares de rios e zonas úmidas que formam a mais complexa rede de água doce do mundo. A Bacia do Rio Amazonas gera uma em cada cinco gotas de chuva enquanto influencia os sistemas meteorológicos globais e ampara mais de 2.700 espécies de peixes e 47 milhões de pessoas, incluindo 2,2 milhões de povos indígenas como Aquiles Piranga.
Para essas comunidades, as mudanças climáticas se sentem no subir e descer dos rios, na imprevisibilidade da chuva, na erosão das margens dos rios e na poluição dos fluxos que trazem vida. Sua sobrevivência depende de sua adaptação.
A Bacia do Rio Amazonas...
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1 de 5
Gera uma em cada cinco gotas de chuva.
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2700+
Abriga mais de 2.700 espécies de peixes.
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47M
Sustenta 47 milhões de pessoas, incluindo 2,2 milhões de indígenas.
Quote: Aquiles Wiles Piranga Cruz

''Agora chove em qualquer estação, a qualquer momento.''
Quando a água falha: ciclos de desequilíbrio na Bacia Amazônica
Ano passado, uma das piores secas da história registrada da bacia encolheu os rios aos seus níveis mais baixos em 120 anos. Enquanto isso, tempestades imprevisíveis e repentinas inundações diluvianas corroem as margens dos rios em um ciclo intensificado de extremos. Um estudo recente de anéis de crescimento de árvores na floresta Amazônica revelou que as estações chuvosas têm precipitações mais intensas e as estações secas duram mais tempo conforme o ciclo de água, antes previsível, se desfaz.
Aquiles se dá conta dessas mudanças no Rio Orteguaza, um tributário que deságua no Rio Caquetá um pouco antes de chegar ao centro urbano da região. O Caquetá é um dos rios mais longos da bacia, guiando riachos e córregos e rios menores como o Orteguaza ao Amazonas e, eventualmente, ao Oceano Atlântico. Também é uma estrada; o Rio Caquetá é o único meio de acessar muitas das cidades remotas ao longo da região de Caquetá, onde Aquiles e centenas de comunidades indígenas constroem suas vidas.
“Tudo aqui se move por meio da água”, diz Roberto Ordoñez, um líder da comunidade indígena Ismuina que também vive na região de Caquetá, no município de Solano. “A viagem de Florência (a capital do estado) a Solano leva quatro horas em um barco a motor”.
Efeitos em cadeia: ameaças ampliadas pelas mudanças climáticas
Conforme as inundações e secas tornam as viagens de rio mais difíceis para Roberto, as pressões na terra intensificam esses desafios climáticos.
“A fragmentação devido às represas; o desmatamento para a agricultura, a mineração e a extração de petróleo; e a pesca insustentável, tudo isso intensifica os impactos nocivos das mudanças climáticas nas hidrovias da bacia”, explica Silvia Benitez, Diretora de Água Doce para a TNC na América Latina. “Estes são sistemas interconectados, o que quer dizer que o que acontece rio acima repercute nas pessoas e espécies de água doce mais rio abaixo—algumas vezes a milhares de quilômetros”.
Por exemplo, a agricultura e mineração insustentáveis e a exploração madeireira destroem as margens dos rios. Sem essa proteção natural, as inundações movidas pelo clima causam a erosão das margens nuas dos rios, alargando-os e tornando-os mais rasos—e mais vulneráveis a secar durante as secas, explica Roberto.
Quote: Roberto Ordoñez

“Para a gente, é essencial que o leito do rio não seque. Porque é assim que conduzimos todo o nosso sistema de comércio e comunicação. É assim que trazemos os produtos que não produzimos nesse território”.




A degradação da paisagem não desestabiliza somente as margens dos rios—ela interrompe todo o ciclo da água. Sem as árvores para absorber a chuva e reter a umidade, tanto as secas quanto as inundações se tornam mais extremas.
Diante desse cenário, as comunidades locais vêm implementando soluções baseadas em seus conhecimentos tradicionais, como a restauração de suas terras com árvores nativas e o uso sustentável da floresta e de seus frutos.
De Caquetá ao Tapajós: uma resposta às mudanças climáticas de toda a bacia.
Embora as comunidades em toda a Bacia Amazônica estejam amplamente dispersas, elas enfrentam desafios parecidos—e estão encontrando soluções na natureza.
"As comunidades estão se adaptando às mudanças climáticas ao priorizar e implementar soluções baseadas na natureza e nos sistemas de conhecimento indígena — esforços para restaurar e proteger a natureza como forma de se proteger dos impactos das mudanças climáticas”, explica Juanita González, líder do projeto de Soluções Baseadas na Natureza para a Adaptação da TNC Colômbia.
Rio acima, na bacia de Caquetá, as comunidades indígenas fazem parceira com os cientistas da TNC para proteger a qualidade da água e fortalecer as terras por meio do monitoramento de impactos das mudanças climáticas e perda da biodiversidade em suas terras, compartilhando práticas de agricultura sustentável e controle de pragas e implementando chagras—sistemas tradicionais agrícolas que estabilizam as margens dos rios, absorbem inundações, filtram a água doce e preservam a herança ancestral.
“Além disso, integram essas soluções baseadas na natureza em seus Planos de Gestão Territorial—planos formulados pela comunidade para organização territorial e gestão de recursos naturais baseados no conhecimento e nas tradições ancestrais”, diz Juanita.
Rio abaixo, ao longo do Rio Tapajós no Brasil, a mesma combinação de degradação de paisagens e mudanças climáticas ameaça os peixes que são fundamentais para a dieta e a economia locais. O desmatamento de florestas faz com que a terra não possa mais filtrar a água doce que flui por ela. Isso resulta em rios mais sujos e poluídos que sufocam as populações de peixes, já que as inundações e secas dificultam a migração deles nos ciclos dos quais os pescadores locais dependem.
“A maioria dos peixes é muito sensível a mudanças na qualidade da água”, diz Frank Ribeiro, um pesquisador da Universidade Federal do Oeste do Pará, no Brasil, que está estudando os efeitos das mudanças climáticas nas populações de peixes nos tributários do Rio Amazonas como parte do Projeto Água de Tapajós. “Se o meio ambiente for ruim, os peixes não ficam lá—porque não é sustentável para sua sobrevivência”.
Frank e sua equipe, em parceria com a TNC, atuam para fortalecer as comunidades em seus esforços de conservar a biodiversidade aquática e os recursos de água doce. Proteger e restaurar as florestas é apenas uma das estratégias que eles usam conforme buscam maneiras de preservar a pesca vital.
Quote: Edmar Gomes
“A água é vida—para nós, para todos aqui. Dependemos profundamente do rio e suas águas”.
Edmar é um dos pescadores locais que participa do Projeto Água de Tapajós, que estabelece limites sustentáveis de pesca para manter populações saudáveis de peixes. O projeto também visa proteger os habitats de reprodução e berçário, garantindo que membros da comunidade como ele tenham um papel de liderança nas decisões de gestão pesqueira.
Adaptação com a Natureza
Em toda a Bacia Amazônica, esses projetos refletem um movimento maior à medida que comunidades, cientistas e formuladores de políticas usam uma gama de estratégias para enfrentar as variações das realidades climáticas:
- Conexão: O Amazonas deve ser protegido como um sistema conectado de águas. Isso implica na conservação de rios de fluxo livre, impedindo a fragmentação dos rios, evitando o desmatamento e promovendo a gestão eficaz de áreas já protegidas. Isso envolve apoiar e fortalecer os direitos territoriais indígenas.
- Colaboração: Líderes indígenas como Aquiles e Roberto orientam esforços para proteger suas águas. Na Bacia de Caquetá, a parceria com a TNC apoia a liderança indígena na formulação e implementação de estratégias de resiliência locais.
- Restauração: O reflorestamento de terras, a restauração de zonas úmidas e planícies inundadas e a adoção de práticas agrícolas sustentáveis, todas ajudam a regular o fluxo hídrico, reduzem o risco de inundações e secas e melhoram a qualidade da água—ao mesmo tempo que apoiam a biodiversidade e o armazenamento de carbono.
- Gestão sustentável: Acordos comunitários apoiados na ciência, como aqueles que orientam a gestão de pesca do Rio Tapajós no Brasil, protegem os recursos naturais e sustentam as economias locais, não obstante as mudanças climáticas.
- Conhecimento tradicional e ferramentas preditivas: As comunidades locais têm conhecimento geracional dos intricados sistemas da Bacia do Rio Amazonas. A combinação desse conhecimento com ferramentas baseadas em dados, como modelos hidrológicos e avaliações de risco climático, ajuda governos e comunidades a anteciparem e responderem às inundações e secas com maior precisão—e com soluções adaptadas ao contexto local.
- Apoio/Promoção: Os rios da Amazônia atravessam fronteiras; as políticas climáticas também devem fazê-lo. Esforços coordenados entre países, tanto rio acima quanto rio abaixo, podem proteger as cabeceiras, garantir práticas sustentáveis e manter corredores conectados para a migração de peixes.
Fluindo adiante
A Bacia do Rio Amazonas é um lugar de conexão profunda—entre rios, pessoas, terras e animais. À medida que as mudanças climáticas ameaçam cortar esses laços, as comunidades indígenas mostram ao mundo como se adaptar à natureza. Sua liderança oferece um caminho a seguir—não só para a Amazônia, mas para todos nós.
ConservAção
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