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Marque o rebanho, proteja a Amazônia

Os modelos de rastreamento apontam o caminho para os alimentos livres de desmatamento

Dois homens a cavalo monitoram o gado pastando em um vale montanhoso exuberante
Grazing Herd Cattle grazing in a sustainably managed ranch in São Félix do Xingo, Brazil. © Christian Rodriguez/Prime Collective

Maria Gorete Rios, conhecida localmente como “Dona Gorete”, gere uma pequena fazenda chamada Sítio Rancho da Pedra no assentamento do Novo Repartimento no interior do estado amazônico do Pará, no Brasil. A maior parte da fazenda é dedicada à pastagem para o gado, mas Dona Gorete também cultiva cacau, açaí, mandioca e mais nos 78 hectares da fazenda. E esse ano, ela obteve mais uma conquista: Dona Gorete fez história como a primeira pecuarista no estado do Pará a adotar a identificação individual do gado por meio de brincos para seu pequeno rebanho.

Pioneira Maria Gorete foi a primeira pecuarista no Pará a adotar a identificação individual do gado usando brincos de identificação em seu pequeno rebanho. © Andre Dib

A marcação é uma parte rotineira da criação de animais, mas nesse caso, ela mostra algo maior: ela é prova de que a carne bovina livre de desmatamento pode se tornar realidade na Amazônia.

No mundo todo, a agricultura é uma das maiores causas do desmatamentoentre 70 e 80% em todo o mundoe commodities como a carne bovina, a soja e o óleo de palma são os principais responsáveis. Esse é um desafio particular na América Latina, que é o maior exportador de alimentos do mundo e abriga 40% da biodiversidade e um terço da água doce do planeta.

Surge o Programa Pecuária Sustentável do Pará.

Graças a esse novo programa, até o final de 2027, cada animal no Pará terá um brinco com um número de série exclusivo ligando-o a um sistema com todas as informações vitais sobre a propriedade onde ele foi criado. Essa “trilha de papel” digital mostra a jornada do animal, garantindo que o não-desmatamento faz parte dessa marcha até o processamento.

Imagem aérea de terras agrícolas à esquerda, floresta à direita.
Stark Contrast A pecuária no Brasil historicamente foi responsável por cerca de 24% do desmatamento tropical anual global. © Maíra Erlich/TNC

O Programa Pecuária Sustentável do Pará

Em 2023, o Estado do Pará lançou a primeira política de rastreabilidade obrigatória e focada no meio ambiente do Brasil, o Programa Pecuária Sustentável do Pará. Cada animal receberá um brinco eletrônico que será escaneado em cada propriedade por onde passar, gerando dados que rastreiam seus movimentos do nascimento ao processamento.

O gado de corte não necessariamente passa toda sua vida em um único lugarele é frequentemente transferido a várias fazendas e instalações. Embora muitas dessas fazendas acedam estritamente às regulamentações ambientais, algumas desmatam florestas e as convertem em pasto. A marcação e a rastreabilidade de cada animal possibilitam aos regulamentadores, às empresas e aos consumidores confirmar que o animal não passou nenhuma etapa de sua vida em uma fazenda que contribuiu com o desmatamento. Isso possibilita que os pecuaristas vendam seus produtos em um momento em que as condições regulatórias e de mercado estão se voltando para uma origem sem desmatamento.

Quando os produtores sabem que seu rebanho pode ser rastreado a terras onde eles desmataram florestas, eles têm um grande incentivo para aderir às leis de conservação e melhorar sua produtividade agrícola e suas práticas de pecuária. Isso aparta os incentivos de mercado da destruição dos habitats e os leva em direção ao uso sustentável do solo—resumindo, alinhando os interesses econômicos ao gerenciamento ambiental. 

Gado com brincos de identificação individual.
Acessórios para gado Identificar e rastrear cada animal permite que reguladores, empresas e consumidores confirmem que o animal não passou nenhuma parte de sua vida em uma fazenda que contribuiu para o desmatamento. © Andre Dib

Quote: Dona Gorete

O rastreamento individual do gado nos dá controle sobre nossos rebanhos, ajudando-nos no manejo sustentável e abrindo portas para que possamos vender diretamente para mercados de alto valor. Para pequenos produtores como nós, isso não é só sobre rastreamento animal—é sobre construir um futuro melhor

Administra uma fazenda no Sítio Rancho da Pedra, Brasil

O Modelo do Pará

O modelo do Pará já ultrapassou os limites do estado: no inicio do ano, o governo federal anunciou um plano nacional para expandir a rastreabilidade da pecuária. Essa tecnologia pode ajudar a reduzir o desmatamento ligado a outros produtos, como a soja. O VISEC, apoiado pela TNC, monitora mudanças nos ecossistemas e promove soja livre de desmatamento no Gran Chaco, na Argentina. A iniciativa já viabilizou exportações para a Europa em conformidade com as novas regras da União Europeia, protegendo um dos ecossistemas mais ameaçados da América do Sul. Juntas, essas ações estão criando um novo modelo de agricultura ambientalmente responsável em toda a América do Sul, com impactos positivos para comunidades, empresas e o planeta.

Uma vitória para o meio ambiente e a economia

Historicamente, a pecuária no Brasil tem sido responsável por aproximadamente 24% do desmatamento tropical no mundo. É por isso que mudar a economia da produção pecuária também mudará o futuro da própria floresta. 

Um estudo recente da Bain & Company e da The Nature Conservancy (TNC) constatou que o programa do Pará poderia impulsionar um crescimento de quase 50% no valor da indústria pecuária. Isso se dá porque o rastreamento abre portas para mercados premium que exigem carne bovina livre de desmatamento. Também melhora a produtividade em nível de fazendas ao promover melhores práticas de manejo do solo e proporcionar aos pequenos produtores acesso a novas ferramentas e tecnologias. A rastreabilidade também é uma maneira de combater o abate clandestino, assegurando que todo o processamento seja regulamentado, devidamente tributado e que contribua para o crescimento econômico legal do Estado. 

Imagem aérea de vacas em um curral.
Oportunidades de crescimento Um estudo recente da Bain & Company e da The Nature Conservancy (TNC) revelou que o programa do Pará pode impulsionar um crescimento de quase 50% no valor da indústria da pecuária. © Andre Dib
Ferramentas para identificação de gado. Cada animal recebe uma identificação única que é registrada no banco de dados de rastreabilidade da pecuária do Pará. © Andre Dib

Como funciona a rastreabilidade

  1. Marcação e cadastro. Cada animal recebe uma identificação única que é cadastrada na base de dados do Sistema Oficial de Rastreabilidade Individual de Bovinos do Pará (SRBIPA).
  2. Rastreabilidade de movimento. Toda transferência é registrada, criando uma cadeia de custódia do nascimento ao processamento.
  3. Verificação de conformidade. Os dados de movimento do animal são cruzados com o Código Florestal brasileiro, que regulamenta onde e quanto do habitat nativo pode ser desmatado legalmente.
  4. Recompensa do desempenho. A verificação do rebanho dá acesso a um conjunto de incentivos públicos e privados, incluindo pagamentos mensais diretamente aos produtores, insumos agrícolas grátis, a oportunidade de faturar mais ao vender diretamente a um frigorífico em vez de lidar com um intermediário ou até acesso a crédito garantido pelo governo para produtores que atinjam conformidade ambiental. A transição para um modelo livre de desmatamento também assegura que os pecuaristas estão fazendo o máximo uso de suas terras já desmatadas, aumentando sua produtividade em geral. Juntos, esses mecanismos tornam a produção pecuária livre de desmatamento a melhor escolha para os pecuaristas
Várias vacas com brincos de identificação.
Mantendo os benefícios das florestas Ao adotar o modelo do Programa de Pecuária Sustentável do Pará, as comunidades locais continuarão se beneficiando dos serviços ambientais que a floresta oferece. © Andre Dib

Inclusão planejada

Aproximadamente 90% dos pecuaristas do Pará são pequenos e médios produtores. O lançamento do Programa Pecuária Sustentável do Pará inclui o rastreamento, mas também oferece assistência técnica, conformidade ambiental e acesso a crédito para pecuaristas para que a adoção desse novo programa seja economicamente viável—e beneficie comunidades locais. Proprietários de pequenas propriedades com menos de 100 animais até podem receber serviços gratuitos para a aplicação de brincos por meio de uma parceria entre a TNC e o Estado. Ao adotar o modelo do Programa Pecuária Sustentável do Pará, comunidades locais continuarão a se beneficiar dos serviços ambientais que a floresta oferece, tais como a expansão da disponibilidade de água doce e melhoras na saúde do solo, assim como a maximização do uso de terras já desmatadas, aumentando sua produtividade em geral.

Há crescente interesse e investimentos por parte da indústria pecuária. A gigante frigorífica JBS lançou programas-piloto alinhados às exigências do Pará e tem planos para dar escala aos mesmos no ano que vem. E em abril, o Carrefour—a rede de supermercados com maior faturamento do Brasil—se juntou aos frigoríficos na assinatura da declaração de apoio ao Programa Pecuária Sustentável do Pará.

Isso mostra que toda a indústria de produção pecuária—desde os próprios pecuaristas até os supermercados que vendem seus produtos—está se alinhando para apoiar a produção de carne bovina livre de desmatamento. 

Quote: Jose Otavio Passos

Amazônia é o lar de milhões de pessoas que dependem da terra para viver com dignidade. O Programa Pecuária Sustentável do Pará é uma ferramenta vital para combater o desmatamento ilegal, promovendo práticas de produção que respeitam as leis ambientais e valorizam aqueles que vivem e produzem nela.

Diretor de Amazônia na TNC

Rastreabilidade em números

  • 24–26M

    Entre 24–26 milhões de cabeças de gado em 295 mil fazendas

    Veja o relatório
  • 164.57K

    já foram brincados até outubro de 2025

  • 10K

    10 mil hectares de desmatamento evitado a cada ano

  • ~45%

    ~45% de valor agregado ao setor de pecuária no Pará

    Saiba mais
Vista panorâmica da floresta amazônica com névoa subindo da vegetação.
Protegendo a Amazônia O que acontece na Amazônia ajuda a moldar nosso futuro comum. © Andre Dib

O caminho até Belém

Como anfitrião da Conferência do Clima da ONU (COP30) em Belém, capital do estado do Pará, o Brasil pede um processo aberto, transparente e inclusivo na COP—enfatizando a importância de implementar objetivos globais para deter e reverter o desmatamento e a degradação das florestas até 2030 de uma maneira que faça sentido econômico para o sistema de alimentos em geral.

A história da pecuária no Pará pode se tornar seu legado: fazendeiros alimentando o planeta sem derrubar árvores, crianças herdando florestas que ainda produzem chuva e um modelo que outras regiões podem adaptar para sua própria produção de alimentos. Esse é um exemplo de como o que acontece na Amazônia ajuda a remodelar nosso futuro compartilhado.