ENTARDECER AMAZÔNICO Pôr do Sol na bacia hidrográfica do Rio Amazonas. © Juan Sanchez/TNC

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A Amazônia caminha para o ponto de não retorno

A maior floresta tropical do mundo pode se tornar uma savana, e só é possível evitar mais destruição com um esforço integrado urgente.

Tudo está interconectado. Na Amazônia, que abrange uma área comparável aos 48 estados contíguos dos Estados Unidos, nenhum detalhe é por acaso. Portanto, não se trata de focar em uma área específica ou em certas espécies. Os ciclos naturais estão alterados, fazendo oscilar um delicado equilíbrio que afeta os níveis local, regional e até global e que se aproxima cada vez mais de um ponto de não retorno. No cenário atual, isso significa menos de 20 anos.

A umidade vem do Oceano Atlântico. Quando chega à floresta, chove. As raízes das árvores e plantas absorvem a água, que satura a superfície das folhas. Depois, há o processo de evapotranspiração: as árvores transpiram umidade, ou seja, a água que caiu como chuva retorna à atmosfera. Chove novamente, as raízes absorvem a água e novamente a evapotranspiração a devolve. É por isso que em inglês se diz rainforest. Ela produz pelo menos metade de sua própria chuva. E chove novamente...

A municipality in the Brazilian Amazon.
AMAZÔNIA Imagem aérea de floresta em São Félix do Xingu, no Pará. © Haroldo Palo Jr.

E é assim que o que o autor Craig Welch chama de "rio gigante no céu" se forma. Que fornece água (chuva) para os países andinos; e também ao Uruguai, Paraguai, centro e sul do Brasil e norte da Argentina. Em suma, influencia uma região que gera 70% do PIB da América do Sul, de acordo com a The Nature Conservancy (TNC).

“Do ponto de vista climático, perder a Amazônia seria fatal e não apenas para nós. Além da quantidade de água que evapora, a Amazônia influencia a circulação de massas de ar, afetando os padrões de chuva não apenas aqui na América do Sul, mas também na América do Norte. Muitos lugares do mundo dependem muito desses padrões de chuva ", explica Thomas Walschburger, consultor científico sênior da TNC Colômbia.

Quando as árvores são cortadas, serviços ecossistêmicos fundamentais como regular o ciclo de água se perdem, afetando diretamente o abastecimento de água para milhões de pessoas; e o ciclo do carbono. Nesse cenário, as emissões de dióxido de carbono aumentam e isso afeta o aquecimento global. "Se as estações secas se intensificarem, se tivermos verões mais intensos, essas florestas úmidas também desaparecerão. Elas não só se perderiam devido ao desmatamento, mas também por causa das mudanças climáticas em si." alerta Walschburger.

Quote: Thomas Walschburger

Se tivermos verões mais intensos, essas florestas úmidas desaparecerão. Elas não só se perderiam devido ao desmatamento, mas também por causa das mudanças climáticas em si.

Consultor científico sênior da TNC Colômbia

Da mesma forma, flora e fauna estão em perigo. É importante lembrar que a Amazônia é o lar de 10 % da biodiversidade mundial. E aqui também temos um ciclo: as árvores são cortadas, muitos predadores desaparecem, o que pode controlar pragas ou herbívoros; o comportamento de pássaros ou insetos polinizadores é alterado. Assim, menos plantas, menos chuva, mais emissões de carbono, mais secas, menos água...Desequilíbrio e ameaças à nossa saúde e qualidade de vida. Tudo está conectado. Toda ação tem uma reação.

Na edição de fevereiro da revista Science Advances, os professores Thomas Lovejoy, da Universidade George Mason, membro da Fundação das Nações Unidas, e Carlos Nobre, cientista climático do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de São Paulo, alertaram que a perda de apenas 20 a 25% da área florestal poderia levar a Amazônia a um ponto de não retorno, tornando impossível impedir sua transição para um ecossistema mais seco, semelhante a uma savana.

Edenise Garcia, diretora de ciências da TNC Brasil, estimou a proximidade da Amazônia ao ponto de não retorno. Ela analisou apenas as florestas, deixando de fora rios na Amazônia brasileira e andina e concluiu que, em média, 14,2% da floresta foi perdida. Se a atual taxa de desmatamento for mantida, o ponto de não retorno mencionado acima ocorreria em 2039.

Amêndoas de Cacau em São Félix do Xinu-PA.
AMÊNDOAS DE CACAU No sudeste do Pará, a TNC apoia produtores rurais na implementação de sistemas agroflorestais com plantio de cacau e outras espécies nativas da Amazônia. A prática ajuda a restaurar áreas degradadas e diversificar a renda dos produtores. © Erik Lopes/TNC

A situação requer ações urgentes e a concertação e sinergia entre os setores público e privado e a sociedade civil.

Já existem algumas soluções sendo implementadas sob o princípio de que desenvolvimento e meio ambiente podem andar de mãos dadas. Por exemplo, em São Félix do Xingu, no estado do Pará, a TNC desenvolve uma iniciativa chamada Cacau Floresta. Um de seus objetivos é ajudar os agricultores locais a adotarem metodologias mais sustentáveis. Uma delas é cultivar cacaueiros nativos em terras anteriormente degradadas e evitar mais desmatamentos. Nesse caso, fala-se de um sistema agroflorestal na medida em que combina culturas alimentares com árvores nativas para reflorestar o território.

A TNC e a Equipe de Conservação da Amazônia (ACT) também estão implementando um projeto agroflorestal no departamento de Caquetá, uma das áreas mais afetadas pelo desmatamento na Amazônia colombiana, com financiamento da Iniciativa Internacional do Clima (IKI) do Ministério Federal do Meio Ambiente da Alemanha, que envolve diálogo intercultural entre comunidades camponesas e indígenas, cuja sabedoria e cultura ancestrais são essenciais para preservar um território que, em maior medida, eles têm mantido em seu estado original. “Porque a natureza é sagrada,” concluiu o professor Walschburger.