Artigos e Estudos

Aprendizados da escuta e reconhecimento

O trabalho com mulheres agricultoras do projeto Cacau Floresta.

Por Monica Vilaça, Cientista Social da TNC Brasil

Duas mulheres conversando em área de plantio.
Os aprendizados da escuta Valcilene Primo, agricultora de São Félix do Xingu-PA, conversa com técnica do projeto Cacau Floresta. © Denys Costa

As soluções para a crise climática do planeta precisam ser justas e inclusivas. Por isso, uma parte fundamental do trabalho da TNC tem sido capacitar e empoderar mulheres que estão no campo e que podem ajudar a dar escala às soluções climáticas.

Trabalhar com mulheres significa mudar também contextos sociais, um desafio reconhecido por todas e todos que agem na produção de espaços de incidência. As mulheres anunciaram que seus desafios não aconteciam só nos espaços públicos, considerando acesso a trabalho, renda, participação política, mas também estavam em suas casas, considerando o trabalho doméstico, os cuidados de crianças, pessoas idosas e com deficiência, além do enfrentamento as diferentes formas de violência. 

Podemos tomar algumas questões como chaves para pavimentar caminhos de justiça e mudança, como a necessidade de pensar mobilização e participação, a alteração de paradigma e o estabelecimento de compromissos efetivos com pessoas, comunidades, organizações e estados por mudanças e pelo enfrentamento às desigualdades. Essas foram algumas questões que orientaram nosso trabalho com as mulheres do Projeto Cacau Floresta nos últimos dois anos.

O orgulho de ser uma mulher do campo Roseli Dias, agricultora de São Félix do Xingu-PA, compartilha sua experiência como agricultora do projeto Cacau Floresta.

O projeto, que hoje inspira outras iniciativas, teve como estratégia principal, nos últimos 10 anos, restaurar áreas degradadas em pequenas propriedades a partir do plantio de florestas com o cacaueiro como espécie principal, com as famílias da agricultura familiar de São Félix do Xingu e Tucumã (Pará), em uma técnica que chamamos de sistemas agroflorestais (SAF). Trabalhando com estas famílias, percebemos a importância de uma ação dirigida para as mulheres, já que nessas propriedades, elas são responsáveis pelo beneficiamento e plantio de hortaliças que alimentam a família, pelas plantas medicinais, pelos cuidados que não são monetizados, como cuidados com os pequenos animais, além dos cuidados de crianças e idosos, em especial, quando consideramos os poucos serviços de cuidados disponíveis nas áreas rurais.

Como deveríamos pensar mudança com estas mulheres? Como ponto de partida, estabelecemos a escuta como passo essencial para identificar demandas e desejos trazidos por elas. É preciso entender que as mulheres devem apontar os caminhos que desejam seguir. Durante as atividades de formação da TNC, elas falaram o que faziam e o que gostariam de fazer, sempre refletindo sobre suas capacidades individualmente, mas, também, considerando outras mulheres em cada processo. Por exemplo, se uma delas pudesse beneficiar polpas de fruta para vender, haveria espaço para envolver também filha ou nora e, ainda, a vizinha, que poderia comercializar com elas. Mulheres pensam em redes, o que diz muito sobre como elas já produzem suas vidas, em teias que equilibram a aridez cotidiana. Foi incrível ouvir esses pensamentos e necessário para que pudéssemos reconhecer a potência de seu papel na sociedade.

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Mudança pede conhecer, refletir e é esse o caminho que estamos trilhando com as mulheres do Projeto Cacau Floresta e que se estende agora para outras experiências com sistemas agroflorestais no Pará.

Depois da escuta, iniciamos atividades de formação a partir de temáticas sugeridas pelas próprias mulheres: como podemos saber mais sobre os temas de associativismo e cooperativismo? Como podemos fazer uma melhor gestão das nossas propriedades ou beneficiar nossos produtos? As formações foram acontecendo no território com uma participação superior à prevista inicialmente e sempre com uma presença que ficamos felizes em aprender a acolher: as crianças. Desde o primeiro momento de escuta das mulheres, as crianças estiveram presentes e elas continuaram vindo e participando com suas mães. Quando falamos das atividades com mulheres, nós precisamos sempre compreender que as envolver significa considerar os tempos das casas, tempos de atividade escolar, tempos de médicos e horários de produção de alimento e outros cuidados domésticos com suas famílias.

Fazer formação com as mulheres requer pensar mais sobre os processos. O que poderia tornar os espaços e atividades mais didático? O que melhor comunicaria os conteúdos trabalhados? O que melhor contribuiria para a reflexão? Diante dessas perguntas, buscamos parceiros com experiência em educação popular, que trouxeram mulheres de outras redes para promover intercâmbio de experiência e de inspiração. Produzimos materiais didáticos como cartilhas e vídeos. Discutimos a importância de uma pedagogia da alternância, que prevê tempos de aprendizagens coletivos e o retorno as casas onde se deve buscar exercitar os aprendizados obtidos, tempos de aprendizados juntas e separadas, o que nos levou a elaborar uma proposta de atividades para quando nossas equipes encerravam os momentos presenciais.

Estabelecemos também uma agenda para a equipe de assistência técnica e extensão rural (ATER). Começamos com atividades sobre gênero para que pudéssemos ter nossas equipes atuando diretamente nesta mudança que elas têm provocado. Estamos produzindo cartilhas dirigidas às nossas técnicas e técnicos de ATER que buscam manter o olhar atento às famílias com que trabalham, entendendo sempre, que naquele espaço tem questões de gênero e de geração que devem ser observadas, dentre tantas outras.

Nos primeiros passos dados pelas mulheres na construção dos diversos feminismos ao longo da história, elas aprenderam o valor da educação “informal” para mudar sua realidade. A educação informal está presente em diferentes momentos, nas reuniões, nos encontros e oficinas, nos intercâmbios e nas visitas. As mulheres aprenderam que sua experiência era rica e dela partiram para elaborar teorias sobre as relações sociais de gênero, sobre os cuidados, sobre a divisão sexual do trabalho. Todo este conhecimento nasceu da experiência das mulheres.

Mudança pede conhecer, refletir e é esse o caminho que estamos trilhando com as mulheres do Projeto Cacau Floresta e que se estende agora para outras experiências com sistemas agroflorestais no Pará.