Artigos e Estudos

Entre o receio do provável e o instinto do possível

Uma reflexão sobre a liderança, o tempo e a escala da adaptação climática

Por Claudio Klemz - Especialista em Políticas Públicas para Água da TNC Brasil

Pessoa trabalhando no plantio de árvores.
ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA Funcionário da Prefeitura de Extrema-MG em atividade de plantio. © Felipe Fittipaldi

A mitigação e a adaptação às mudanças climáticas 1 implicam, inicialmente, no estabelecimento de compromissos governamentais e corporativos, como amplamente debatido em cada Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Mas além do estabelecimento de compromissos, dependemda mudança de comportamento refletida na adoção de novas práticas por empresas para diminuírem (ou “mitigarem”)impactos correntes, bem como de políticas públicas que resultem em efetivas melhorias nos padrões deuso e cobertura da terra e nos hábitos das pessoas. Todavia, dois importantes desafios estão no caminho dessa mudança: o tempo de resposta e a escala da mudança. Sob uma perspectiva corporativa, a mudança de comportamento dentro dos muros da empresa pode acontecer com relativa agilidade, reduzindo o tempo de resposta daquilo que está dentro da esfera de controle direto das empresas. Passa pelo estabelecimento de metas net zero (ou seja, de zerar o balanço de gases de efeito estufa -GEE), ajuste de práticas internas, reeducação de colaboradores, estratégias de comunicação com o público e pelo provimento de adequado suporte financeiro, entre outras medidas. Naturalmente, considerações econômicas e competitivas também estão em jogo no processo de adaptação corporativa, além do envolvimento das cadeias de suprimento. Ainda assim, a referida agilidade depende de alguns fatores: sinalizações firmes do mercado, pressão social, além da definição de regulamentos específicos necessários para desencadear essas ações corporativas. Em termos de escala, os resultados dos esforços corporativos de adaptação e mitigação climática estão voltados a processos ou atividades específicas que resultem na reduçãoda emissão de determinados GEE ou na compensação de emissões. Mesmo que a tomada de decisão seja ágil, o resultado efetivo das mudanças nos padrões de emissões depende do tempo de resposta ecossistêmico que procede a essa incorporação de práticas menos emissoras. A tomada de decisão governamental enseja metas de larga escala, cujos impactos se refletirão tanto nas práticas das empresas quanto em políticas nacionais, subnacionais e locais. Em qualquer um desses casos a implantação acontece localmente, é aí que reside o grande potencial de impulsionar mudanças positivas no uso e cobertura da terra, nas práticas das empresas locais e nos hábitos das pessoas. É no nível local—na soma de diversos locais—que o potencial de grande escala emerge. Tais mudanças influenciarão positivamente a funcionalidade dos ecossistemas no longo prazo, se efetivamente planejadas, coordenadas e implantadas em escala significativa.

1.Segundo o Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC, mitigação e adaptação são estratégias para enfrentar as mudanças climáticas. A mitigação envolve intervençõespara reduzir as fontes de emissões ou aumentar osequestro de gases de efeito estufa. Já a adaptação envolve ajustesem sistemas naturais ou humanos em resposta a estímulos climáticos reais ou esperados, ajustes estes que moderam danos ou exploram oportunidades benéficas.

 

Porém a desejada mudança nos padrões de uso e cobertura da terra precisa acontecer no menor tempo possível e este é um grande desafio. Passar, por um lado, pela efetiva aplicação de normas legais já existentes, por exemplo, no caso do Brasil, a imediata implantação do Código Florestal Brasileiro e dos Planos de Regularização Ambiental pelos estados e o cessamento de recorrentes postergações. Por outro lado, há espaço também para o advento de normas inovadoras. É ocaso da incorporação da proteção de mananciais de abastecimento à prática do setor de saneamento. Seja esteserviço público outorgado à iniciativa privada ou gerenciado por empresas públicas, o setorde saneamento pode liderar a articulação e congregação de diversas políticas públicas de gestão territorial nas áreas de abastecimento público, os mananciais.

Na mesma linha, o reequilíbrio dos padrões de uso e ocupação da terra, visando a adaptação climática, passa pela releitura das atividades econômicas atualmente desenvolvidas. A larga escala nesta mudança traz novas oportunidades econômicas. Vastas extensões de biomas cruciais para a adaptação, como a Mata Atlântica e o Cerrado, hoje são exploradas por atividades que geram apenas uma fração da riqueza que podem gerar. A ideia de uma agricultura regenerativa abriga inúmeras oportunidades econômicas, de trabalho e de melhoria da qualidade de vida das pessoas que ali vivem. O desenvolvimento do mercado darestauração florestal e do carbono é um dos exemplos que guarda grande potencial de geração de uma nova cadeia produtiva.

Todo este potencial de escala de mudança depende de substancial suporte financeiro. Neste campo,as agências de desenvolvimento têm importante papel em ativamente enviesar o modus operandide governos e empresas em direção a uma nova economia voltada à adaptação climática.

Tomadas todas as medidas de adaptação e mitigação que estejam ao alcancede empresas e governos, a sociedade fica inevitavelmente na dependência do tempo de resposta ecossistêmico para que tais medidas surtam efeito prático nos padrões climáticos. Que tempo é este? Ainda que seja difícil estimá-lo, existe grande ferramental técnico-científico ao dispor da sociedade. Modelagens climáticas, hidrológicas, econômicas, sociais, ainda que reúnam a melhor informação disponível no momento, se limitam a indicar rumos aos quais a tomada de decisão pode levar.

A incerteza, portanto, é um ingrediente implícito e inexorável no processo de tomada de decisão. Para contrapor a incerteza é preciso instinto e coragem tanto dentro de governos como na liderança de empresas. Tomadores de decisão não podem se intimidar frente a incertezas, processos burocráticos e relações de forças já estabelecidas.

O momento atual demanda a liderança de pessoas fortes, sensíveise inteligentes. Pessoas que sejam capazes de compreender os sinais da natureza e as evidências científicas, que aceitem a incertezaimplícita a esta tomada de decisão, mas que tenham o instinto daquilo que é possível alcançar ao ousar liderar as mudanças de comportamento na escala e com a agilidade necessárias.