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Entre a tecnologia cinza e a verde, qual é o caminho para capturar carbono?

Por Rodrigo Spuri, Diretor de Conservação da TNC Brasil

Qual é o caminho? A lógica da mitigação climática passa por três pilares fundamentais: evitar, reduzir e, só então, remover emissões de carbono. © Rafae Araujo

Com a emergência climática pressionando governos, empresas e sociedade a agir, tecnologias de Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono (conhecidas como CCUS, do inglês Carbon Capture, Utilization and Storage) voltaram ao centro do debate como possível ferramenta para reverter o acúmulo histórico de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Mas a pergunta-chave permanece: até que ponto essas soluções tecnológicas devem ser priorizadas frente a estratégias já conhecidas, mais baratas e com cobenefícios socioambientais? A resposta é “depende”.   

A lógica da mitigação climática passa por três pilares fundamentais: evitar, reduzir e, só então, remover emissões de carbono. A ordem importa. A contenção do desmatamento, a transformação dos processos produtivos e a transição para energias limpas devem ser o eixo central das políticas de clima.   

A captura de carbono, embora tecnicamente fascinante, deve ser uma etapa complementar. Hoje, há mais de 27 plantas de captura direta do ar (DAC, do inglês Direct Air Capture) em operação no mundo, a maior parte ainda em pequena escala. Uma das mais conhecidas, na Islândia, tem capacidade para capturar 4.000 toneladas de CO₂ por ano — o equivalente ao estoque de carbono contido em 5 hectares de uma floresta tropical madura (considerando o carbono contido na vegetação e no solo). Em termos de custos, as Soluções Baseadas na Natureza são, de longe, a melhor opção: enquanto a tecnologia DAC pode custar entre US$ 600 e US$ 1.000 por tonelada capturada, projetos de restauração florestal certificada operam na faixa de US$ 40 a US$ 100 por tonelada.  

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Além do custo elevado e da alta demanda energética, há riscos geológicos ainda pouco compreendidos. Armazenar grandes volumes de CO₂ em aquíferos ou antigos poços de petróleo pode acarretar vazamentos, acidificação de lençóis freáticos ou até instabilidades sísmicas

Em contrapartida, Soluções Baseadas na Natureza — como a restauração de ecossistemas e a conservação de florestas — são estratégias com a idade da vida em nosso planeta, ou seja, centenas de milhões de anos, com benefícios comprovados não apenas para o clima, mas também para a biodiversidade, a segurança hídrica e o bem-estar de comunidades. Um hectare de floresta tropical madura pode armazenar até 360 toneladas de CO₂ ao longo de 30 anos. Mais do que carbono, esse hectare abriga vida, regula o clima local e fortalece economias baseadas na bioeconomia.  

Diante disso, cabe uma reflexão sobre a alocação de recursos. O investimento maciço em tecnologias ainda incipientes, detidas majoritariamente por empresas e centros de pesquisa do hemisfério Norte, pode aprofundar desigualdades e atrasar soluções que já estão disponíveis e adaptadas ao contexto tropical. Países como o Brasil, com vasto potencial de regeneração natural e estoque de carbono em seus ecossistemas, deveriam priorizar a restauração e o desmatamento evitado — políticas que, além de eficácia climática, oferecem cobenefícios sociais, econômicos e ambientais.  

As CCUS podem — e devem — integrar o arsenal climático global, especialmente para setores industriais de difícil descarbonização ou em países com baixo potencial de soluções baseadas na natureza. Mas não podem ser tratadas como bala de prata. Sem políticas públicas robustas, regulação ambiental rigorosa e uma análise crítica de riscos e benefícios, corremos o risco de desviar investimentos de soluções mais custo-efetivas e conhecidas, que geram diversos benéficos socioambientais.  

O futuro do clima exige inovação, sim. Mas também exige sabedoria para priorizar o que já sabemos que funciona.  

Publicado originalmente em Um Só Planeta
21 de agosto de 2025
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