O financiamento para bioeconomia precisa chegar na ponta — e agora
Por Karen Oliveira, Diretora de Políticas Públicas da TNC Brasil
O Brasil tem diante de si uma das maiores oportunidades para se tornar protagonista da agenda climática global, através do fomento a uma bioeconomia baseada na floresta em pé e na valorização dos povos indígenas, comunidades tradicionais e pequenos produtores. Para isso, é essencial entender e criar ferramentas para enfrentar um dos maiores gargalos que dificultam essa transformação: o acesso ao financiamento climático.
Nos últimos meses, ao longo do ano de 2025, a Coalizão para o Financiamento da Restauração e Bioeconomia do Brasil, criada em novembro do ano passado e que reúne mais de 20 organizações, empresas e bancos, realizou um mapeamento inédito com quase 200 páginas. A iniciativa teve apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e a The Nature Conservancy (TNC) Brasil contribuiu com informações técnicas. O objetivo é entender como os fluxos de capital têm — ou não — alcançado a bioeconomia brasileira na ponta. Além disso, o levantamento pode servir como uma ferramenta para aproximar pessoas na cadeia da bioeconomia e os investidores tradicionais. Mais do que identificar entraves, o estudo lança luz sobre o potencial de soluções que já estão em curso, mas que ainda não têm a escala necessária.
Ao todo, foram mapeadas 37 organizações entre fundos comunitários e empreendimentos de base comunitária, que atuam na linha de frente da restauração e da bioeconomia em territórios indígenas e comunidades locais. Elas estão distribuídas pelo Cerrado, Amazônia, Mata Atlântica e Caatinga. Este levantamento trouxe um aprendizado muito valioso: mesmo com limitações de escala e financiamento, essas iniciativas têm capacidade real de gerar impacto socioambiental e de replicar boas práticas.
Ficou claro, com o estudo, que os fundos comunitários cumprem um papel estratégico ao garantir agilidade, inovação e conexão com políticas públicas. Já as organizações facilitadoras – importantes catalisadoras do ecossistema, fortalecendo empreendimentos de base comunitária e fundos (via assistência técnica, mercados, advocacy)– são peças-chave, pois constroem as pontes entre a origem dos recursos e a implementação efetiva dos projetos. Em comum, todas demonstraram uma força vital: são capazes de ativar cadeias produtivas sustentáveis que protegem a floresta e melhoram a vida de quem vive nela.
Mas o caminho ainda é repleto de obstáculos. A dificuldade de viabilizar financiamento para projetos de pequeno porte, por exemplo, continua sendo um entrave relevante. Faltam soluções financeiras desenhadas sob medida para a realidade de quem está na ponta e que, muitas vezes, não se encaixa nas exigências do sistema financeiro tradicional, necessitando de mecanismos financeiros flexíveis, de longo prazo, que valorizem a bioeconomia comunitária (muitas vezes "invisível"), e que cubram custos operacionais e assegurem desenvolvimento participativo. Sem mecanismos robustos, continuaremos a ver um descompasso entre o discurso e a prática.
O estudo também mostra que transparência de dados, monitoramento de impactos (positivos e negativos) e governança clara são fundamentais para atrair mais investimentos e, sobretudo, para garantir que eles sejam bem aplicados e não tenham efeitos indesejados. O desafio não está apenas em mobilizar capital, mas em fazê-lo com responsabilidade, efetividade e justiça climática.
A boa notícia é que a Coalizão já mobilizou US$ 2,6 bilhões em apenas oito meses (através de compromissos iniciais divulgados pelos membros, sinalizando um forte impulso e intenção de expansão), e tem metas ousadas para os próximos anos: restaurar 5 milhões de hectares de floresta, sequestrar 1 gigatonelada de CO₂ até 2050 e direcionar US$ 500 milhões para projetos com protagonismo indígena e comunitário — com o objetivo de alcançar US$ 10 bilhões até 2030.
Para isso, será fundamental continuar fortalecendo as pontes entre quem precisa do recurso e quem pode financiá-lo. A COP30, em Belém, é uma oportunidade histórica para o Brasil mostrar ao mundo que é possível desenvolver com inclusão, equidade e floresta em pé. Mas precisamos começar agora, com os pés no chão da floresta e os olhos no futuro.
Publicado originalmente em Galileu
23 de julho de 2025
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