Um caminho difícil. Samantha Horn em trilha no Parque Estadual Baxter, no Maine, EUA. © Samantha Horn

Artigos e Estudos

Se estou com medo? Não, sou uma cientista!

Meu trabalho no campo já foi considerado muito difícil e perigoso para uma mulher.

Você não está com medo de dirigir assim pelo país? Não tem medo de ir à campo sozinha e ser atacada/se perder/seu barco virar? Você não se sente intimidada por ser a única mulher?

Essas são só algumas das perguntas que ouvi durante a minha carreira trabalhando com ciência e conservação, e tenho certeza que são perguntas que também fazem parte do cotidiano de muitas outras mulheres. As expectativas das mulheres têm mudado através dos séculos, e no século XX isso foi muito marcante.

Durante minha infância e na minha formação nos anos 70, 80 e 90, os debates sobre o papel da mulher aumentaram. O que fica queimando na memória de muitas pessoas que conheço da minha idade é um comercial de perfume que marcou um padrão de comportamento das mulheres por muito tempo: que a mulher “traz o bacon pra casa”, faz o jantar, vai ler histórias para as crianças dormirem e, então, com cabelo e maquiagem perfeitos, veste um vestido esvoaçante para a noite. Um padrão impossível, certamente, mas que foi criado para mostrar para a sociedade que as coisas não estavam mudando tão rápido assim, e continua a expectativa da mulher preencher seus papeis tradicionais, mesmo que assuma outros novos.

Essa difícil transição significou que mulheres que estivessem interessadas em carreiras, como a conservação ou a ciência, tivessem que manter uma desconfortável dualidade, na qual suas carreiras seriam aceitas apenas se demonstrassem os traços considerados “femininos”. Isso se manifestou na minha carreira de diversas formas. Um efeito notável era a expectativa de que por ser uma mulher eu deveria mostrar medo e depender da ajuda de homens para exercer o meu papel não tradicional.

Felizmente, eu sou muito teimosa e insisti em fazer coisas que eram consideradas desaconselhadas ou perigosas, como dirigir pelo país para fazer trabalhos de campo, fazer trilhas ou acampar sozinha. Mas a cada passo eu tinha que me questionar se eu estava fazendo a coisa certa. Isso é perigoso? Posso ser excluída dos padrões de feminilidade? Estou fazendo os homens (ou outras mulheres) ao meu redor se sentirem desconfortáveis, e sofrer algum tipo de consequência social?

Hoje vejo com certeza que fiz a escolha certa de seguir com a ciência, mesmo quando isso deixava os outros desconfortáveis. A ciências muitas vezes funciona assim: para fazer uma diferença significativa, uma cientista tem que reverter as tendências, mesmo sem saber como isso irá mudar. Mas, para as mulheres, nos enfrentamos os riscos profissionais e de gênero simultaneamente.

É emocionante ver o progresso que continuamos a fazer como sociedade no que diz respeito às mulheres na ciência. Ainda não temos igualdade, claro, mas hoje quando uma mulher fala sobre sua vontade de trilhar o caminho de alguma ciência, a conversa muda para seus campos de interesse e como ela pode contribuir, ao invés de como ela será uma mulher pioneira e as dificuldades que vai enfrentar. Em outras palavras, do que ela deveria ter medo.

Especialmente em áreas mais técnicas, como as engenharias, ainda temos um longo caminho a percorrer, e o sucesso é incerto. Mas o progresso é importante e precisamos celebrar. Todos nós que trabalhamos com ciência temos uma grande dívida de gratidão com as mulheres que lutaram por direitos básicos, e depois continuaram pressionando por mudanças na sociedade e nas expectativas sobre os comportamentos aceitáveis para mulheres.

Agora que não sou mais uma iniciante e faço parte da “geração mentora” (representada pelo aumento de cabelos brancos e funções gerenciais), eu posso perceber que em minha carreira contei com o apoio de mentores, homens e mulheres, que encorajaram minhas habilidades, independente do meu gênero. E tenho o orgulho de trabalhar em uma organização como a The Nature Conservancy (TNC), que tem valores explícitos que demonstram equidade, diversidade e inclusão nos locais de trabalho. Sou muito grata por poder orientar jovens profissionais, homens e mulheres, e saber que o sucesso deles depende do quanto são inteligentes e inovadores, e não por suas habilidades para driblar normas de gênero.

Eu não sou mais a garota de 22 anos naquele carro vermelho batido, tendo que explicar a cada parada porque estou viajando sozinha e trabalhando com ciência. Eu posso só falar sobre ciência. E isso é o que também espero para as jovens cientistas do futuro.

Valeu a viagem.
Valeu a viagem. O Monte Shasta, na Califórnia, foi um dos lugares marcantes visitados por Samantha em um de seus trabalhos de campo. © Samantha Horn
Acampamento.
Acampamento. Qualquer lugar servia para descansar entre as noites de observação de corujas. © Samantha Horn
Valeu a viagem. O Monte Shasta, na Califórnia, foi um dos lugares marcantes visitados por Samantha em um de seus trabalhos de campo. © Samantha Horn
Acampamento. Qualquer lugar servia para descansar entre as noites de observação de corujas. © Samantha Horn